O governo, para não fugir de suas características, está, como sempre, dividido sobre o que fazer daqui para frente, mesmo depois que o presidente Lula estabeleceu amplos horizontes para as investigações das denúncias de corrupção dos últimos dias. O PT, provavelmente pressionado por seus interesses próprios e pelos dos partidos da base aliada, continua querendo, irrealisticamente, limitar os poderes da chamada CPI dos Correios. Até mesmo o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, acredita que tudo poderá ser apurado. E, como disse o presidente do Senado, Renan Calheiros, não é possível fixar esses limites quando se investigam casos correlatos.
São fatos que têm, personalizados no deputado Roberto Jefferson o acusador e o beneficiário de desvios do dinheiro público. É verdade que são delitos de naturezas diversas, e no caso do mensalão, há o perigo de a irregularidade, caso se comprove verdadeira, revelar um crime institucionalizado que abalará dois dos poderes da República, o Executivo e o Legislativo.
Não é crível que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagasse mesadas de R$ 30 mil a deputados por conta própria, sem estar ligado a um esquema político que quase certamente teria sua origem em gabinetes importantes do Palácio do Planalto.
Tudo indica, e é nisso em que, até o momento, o mundo político está apostando, que mesmo que fique provado que existe esse esquema de compra de votos, ele não é de conhecimento do presidente Lula. Nesse caso, ele teria mesmo que cortar na própria carne, pois amigos próximos estariam envolvidos, muito além da pura traição, em um crime político de rara gravidade.
Há quem defenda que o presidente precisa aproveitar a crise para avançar na reorganização do Estado brasileiro, como ele mesmo falou em seu discurso de terça-feira à noite. Nunca esteve tão em moda entre os políticos a constatação de que, em chinês, crise e oportunidade são representados pelo mesmo ideograma, como a indicar que nesses momentos abrem-se caminhos novos para a solução dos problemas.
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, aproveitou deliberadamente o momento para mudar a estrutura do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), reduzindo sua atuação às mínimas necessidades do Estado, e se preparando para privatizar a maior parte de suas atividades. Existe em estudo no governo um decreto reduzindo drasticamente o número de cargos de confiança existentes e estabelecendo normas mais rigorosas para o preenchimento dos que restarem.
Diante dos últimos acontecimentos, o que mais se pergunta em Brasília é por que um deputado ou um senador teriam interesse em nomear, por exemplo, o secretário da Receita Federal de São Paulo, como era costume? Ou o diretor financeiro de uma estatal? Perguntas que têm respostas óbvias, e que agora ficaram explícitas, facilitando o aprofundamento do processo de reorganização do Estado. O próprio ministro Antonio Palocci reconhece que a Receita Federal vem sendo reorganizada desde o governo anterior e que o grau de corrupção no órgão foi bastante reduzido nos últimos anos.
É possível também que o próprio Executivo envie ao Congresso um projeto de reforma política que mexa em alguns pontos cruciais de nosso sistema partidário. O presidente Lula, que sempre se declarou favorável à reforma política, achava também que era função do Legislativo tratar do assunto, e se recusava a tomar a dianteira nesse tema. Agora, no entanto, está convencido de que tem que liderar o movimento de reorganização partidária e de modernização da legislação eleitoral, que estão no cerne das crises políticas.
Todos os movimentos, no entanto, estão sendo analisados com cautela, pois o presidente Lula tem receio de que gestos como esses sejam entendidos como diversionismos para mudar o foco da crise. O que é visto pela opinião pública como paralisia do governo diante das denúncias, é explicado no Palácio do Planalto como sendo a maneira cautelosa de o presidente Lula agir. Ele tem ouvido conselhos, por exemplo, para fazer uma ampla reforma ministerial, que não gostaria de realizar em meio à crise política mas que, ao que tudo indica, deverá sair.
Cresce no governo o entendimento de que é preciso fazer um acordo político amplo com o PMDB para reorganizar a base política do governo no Congresso de forma mais sólida. Além de enfrentar a campanha da reeleição com uma coalizão política forte, o presidente Lula, fazendo essa mexida, estaria cuidando da governabilidade da última parte de seu primeiro mandato, que pode ser o único, mas não pode ser encerrado prematuramente. O problema maior é como fazer essas mudanças sem desmanchar de vez a base aliada.
Existe a preocupação entre políticos próximos do núcleo decisório do governo de que o PMDB, farejando a possibilidade de a eleição presidencial ter se tornado mais fácil com o enfraquecimento do governo Lula, não aceitar fazer parte da base aliada, mesmo em posição privilegiada e dando até o vice-presidente em uma futura chapa. Nessas análises, o receio maior não seria nem que a candidatura própria fosse a de Garotinho, em que pese sua força nas pesquisas eleitorais.
O que temem mesmo esses analistas do governo é que o PMDB decida lançar candidato o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, ex-deputado que se licenciou do partido ao ser nomeado para o STF. Jobim, que seria o preferido pelo PT para compor uma eventual chapa com Lula na disputa pela reeleição, teria condições de aglutinar o eleitorado de direita e da esquerda com mais facilidade do que Garotinho, e se transformaria em um sério obstáculo à reeleição.
Entrevista:O Estado inteligente
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