Quando o confronto natural entre duas facções partidárias se torna exacerbado, não é difícil superar a crise. O grupo majoritário assume as prerrogativas e os riscos do mando, enquanto a minoria, exercendo a oposição, conforme as regras constitucionais, busca a conquista (ou a reconquista) do poder pelas urnas. Se os ocupantes do Poder Executivo cometem abusos, para nele manter-se ou para dele usufruir, há os recursos constitucionais do impedimento do chefe de Estado e de governo, nos regimes presidencialistas; e do voto de confiança e dissolução do Parlamento, nos sistemas parlamentaristas. E quando a nação se sente frustrada pela representação política como um todo, como ocorre hoje?
Uma das vantagens do governo parlamentarista é o poder de intervenção moderadora do chefe de Estado (seja o monarca, seja o presidente da República). Se o governo perder a confiança do parlamento, e for difícil construir nova maioria, o chefe de Estado dissolve o Poder Legislativo, nomeia governo interino e convoca novas eleições. Ao fazê-lo, devolve o poder a seu legítimo senhor, o povo. Nos regimes presidencialistas, quando a responsabilidade pela crise é do chefe de governo (e de Estado), cabe ao Parlamento destituí-lo, mediante os ritos constitucionais conhecidos. E quando a responsabilidade é do Parlamento, ou dos dois poderes reunidos? A Constituição não prevê a dissolução do Congresso, que seria ainda mais difícil em regime federativo, tendo em vista o papel especial do Senado. Isso aumenta a responsabilidade dos congressistas encarregados da CPI dos Correios e de quantas CPIs se instalem.
Há quem, querendo atear mais fogo ao conflito, fale levianamente em impeachment nos corredores da oposição, enquanto outros continuam pensando em golpe branco, travestido de ajuda tutelar ao presidente, na transição dos próximos 18 meses. A nação não quer uma coisa, nem outra. Ela exige que, se procedentes as denúncias de corrupção, os culpados sejam identificados e punidos, e o país retorne logo à normalidade.
Anuncia-se que o governo irá controlar a investigação. Os governistas não escondem o regozijo, enquanto os oposicionistas exultam, ao constatar que a aparente maioria governista é frágil. Se caírem na ilusão da aparente Realpolitik e agirem quer como governistas, quer como oposicionistas, e não em busca da verdade, o impasse continuará. Para que o Parlamento e, eventualmente, o governo sejam expurgados dos criminosos que abrigam (se crimes forem comprovados), é preciso agir com firmeza, isenção e rapidez. A nação está impaciente e, pelo que revelam as pesquisas, não se dispõe a ver o processo espichar-se mediante as chicanas costumeiras.
Em situações como essas, a força da dialética costuma impor-se. Segundo Thionville, em seu comentário à lógica aristotélica, ética e dialética andam juntas. Quando a ética adormece, a dialética a desperta. Infelizmente, nem sempre é assim. Há situações em que a ética, mesmo em vigília, é vencida, como na recente investigação sobre a lavagem de dinheiro, via Banestado e bancos associados, truncada convenientemente pelo impasse entre o presidente e o relator. A verdade, no entanto, menosprezada nos documentos oficiais, é tão evidente que chegou às ruas.
A nação não quer impunidade, nem injustiça. Senhora de si mesma, tem o direito de pedir contas daqueles a quem confiou seus bens e aos quais delegou a própria soberania. Mas entende que, até o fim do mandato que ela lhe confiou, o presidente da República é Luiz Inácio da Silva, com todos seus poderes e deveres constitucionais. Se é verdade que maioria do povo está insatisfeita com o atual governo, isso não significa que esteja aplaudindo seus opositores, nem que aceite, com indiferença, golpes salvadores.
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