No Mínimo
12.06.2005 | Não deixemos que as manchetes nos tapeiem, companheiros. Isto tudo que está aí não é a crise do governo Lula. É o governo Lula, seguindo firme numa linha quase reta de continuidade administrativa , que começa antes da eleição de 2002, com a morte do prefeito Celso Daniel em Santo André, e chegou a mensalão sem perder o rumo. Mesmo porque foi marcado ao longo do caminho, aqui e ali, pelos contratempos sofridos pelos parceiros Waldomiro Diniz e Delúbio Soares.
Tudo nos conformes, como uma vez explicou o jornalista Carlos Castello Branco ao chefe da Casa Civil. Não, nada a ver com o ministro José Dirceu. Isso aconteceu no governo Médici. Quem se sentava em seu trono naquela época era o jurista Leitão de Abreu. E ele uma vez confessou que não conseguia entender como o governador Haroldo Leon Peres, nomeado pelo regime militar, filtrado pelas fichas do Serviço Nacional de Informações, sem o menor risco de contaminação pela patuléia do sufrágio universal, pudera cair na armadilha de uma gravação clandestina, negociando um capilé com o empreiteiro Cecílio Rego de Almeida.
"Ora, ministro, qual é a surpresa?" – respondeu o jornalista, que não jogava palavra fora: "Vocês puseram lá um ladrão. Ele roubou". Moral da história: há novidades que só espantam quem não reconhece à primeira vista os velhos hábitos nacionais, quando eles sobem aos palanques com fantasias diferentes. Agora mesmo a Justiça Eleitoral discute se o PT, estando no governo, tem o direito de cobrar o dízimo de seus filiados.
Tudo indica que não. Governando, a mão que cobra é a mesma que nomeia. Quanto mais empregos públicos for capaz de partilhar com a cupinchada, melhor a arrecadação para os cofres partidários. Foi o PT que mudou? Não. De uma hora para outra, uma simples sentença do TSE transforma o que sempre pareceu uma prova de modelo de devoção evangélica em máquina de corrupção estrutural.
O que era o avanço de 2003 sobre os mais obscuros cargos públicos, senão um ato ostensivo de pilhagem? E, no entanto, o país não se queixava. Naquele ano, precisamente no dia 11 de julho, o Diário Oficial trouxe a notícia de que o ministro José Dirceu de Oliveira e Silva, com a caneta cheia de tinha, pusera em marcha a política ambiental do governo Lula. Concretamente, acabara de resolver o grave problema da sucessão na reserva de Ibiapaba, no Ceará.
A administração Lula tinha seis meses. E só nos serviços de apoio de hospitais universitários seu placar de canetadas já marcava 14.506 nomeações. Ainda era moda louvar nos jornais a influência administrativa de Dirceu. Eram tempos de facundo otimismo. Uma festa de posse que parecia disposta a nunca mais acabar. Aos comentaristas políticos, parecia natural que o chefe da Casa Civil, de sua mesa no palácio do Planalto, mexesse em cadeiras de terceiro escalão no Ibama de Ibiapaba.
Dois anos depois, lá estão o Ministério Público e a Polícia Federal revolvendo as canetadas do ministro no Ibama. Pelos primeiros resultados da Operação Curupira, pelo menos no estado do Mato Grosso a partidarização da burocracia ambiental organizara o assalto às florestas nativas. De todas as modalidades de rapina contra o patrimônio público, o desmatamento ilegal é o que mais se aproxima da tradicional receita da espoliação colonial, que chegou aqui na primeira década do século XVI. Mas no começo do século XXI ele se apresentava como novidade.
Por essas e outras é que não há crise no governo Lula, companheiros. Crise é no governo da Bolívia. No Brasil, tudo o que está acontecendo é rotina. CPI é rotina. Conversa de reforma política é rotina. Denúncia gravada é rotina. Tanto é rotina que, na sexta-feira passada, ao dedilhar os jornais, a primeira novidade que se oferecia ao leitor estava na página 24. Mas nem ela escapou da campanha de difamação do governo.
Era a fotografia de um carro enganchado nos cabos do bondinho do Pão de Açúcar. Parecia apolítica. Mas, como naquele dia o presidente Lula – ao lado da governadora Rosinha Garotinho, ambos por sinal de saia justa – também balançava numa cesta, fotografado na visita a uma plataforma da Petrobras, o tal automóvel virava uma coincidência suspeita.
Tratava-se do Volkswagen Cross-Fox. Ele é acusado de apropriação indébita de um bem público. No caso, o cenário do Pão de Açúcar. Saiu da cabeça de um publicitário. Foi lançado para ser popular mas, de tanto se enfeitar, virou uma imitação barata dos modelos da elite. Parece rústico, mas só funciona em caminho fácil. Finge que voa, mas não anda, porque para facilitar a impostura foi aliviado do motor. E está por um fio. Em suma, companheiros, esse carro não foi posto ali por acaso. É parte da campanha contra o governo Lula.
Entrevista:O Estado inteligente
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