Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 06, 2005

Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT

Folha de S.Paulo
Acusado no caso dos Correios, deputado do PTB reage e ataca governo Lula e base aliada


RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Roberto Jefferson cumpriu a promessa de que falaria. E falou muito. Em entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB disse que na base das dificuldades que o governo enfrenta no Congresso estão problemas com o chamado "mensalão", uma mesada de R$ 30 mil que seria distribuída a congressistas aliados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares. A prática durou até o começo do ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Jefferson, tomou conhecimento do caso, pelo próprio petebista.
Outros ministros, como José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) haviam sido alertados antes do esquema -que beneficiaria pelo menos o PP e o PL. Jefferson está há três semanas no centro do noticiário pelas denúncias que atingem os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil, estatais que têm indicados do PTB em seus quadros. A crise decorrente das denúncias levou a um pedido de CPI que o governo pretendia enterrar nesta semana -agora, Jefferson diz que defende e quer a investigação.
Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do "mensalão", feita ainda em 2003, e, a partir de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. "O Zé [Dirceu] deu um soco na mesa: "O Delúbio está errado. Eu falei para não fazer'".
Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. "Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando "mensalão" aos deputados." "Que "mensalão'?". Jefferson explicou. "O presidente chorou." E depois da conversa com Lula? "Tenho notícia de que a fonte secou. A insatisfação está brutal [na base aliada] porque a mesada acabou."
Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: "É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir poder". O PT, no entender do deputado, "nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia".
A entrevista publicada nas duas páginas que se seguem foi concedida por Jefferson em seu apartamento funcional em Brasília, na tarde de ontem. O deputado falou sempre de forma ponderada e em nenhum momento deixou de aparentar segurança e tranquilidade.

Petebista liderou tropa de choque de Collor CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Militante da tropa de choque do presidente Fernando Collor, o performático Roberto Jefferson, 51, sobreviveu a momentos turbulentos da política nacional. Além do processo de impeachment de Collor, resistiu à outra CPI, a do Orçamento.
Em 1993, seu nome foi citado entre os envolvidos no esquema de propina na Comissão de Orçamento. Em 1994, durante depoimento, Jefferson chorou por duas vezes, lamentando o fato de sua família ter sido exposta.
No relatório, foi incluído na lista de 14 parlamentares sobre os quais seria necessária maior investigação. Seu capítulo ocupou uma página do relatório do hoje desafeto Roberto Magalhães (PE). Nele, a conclusão era que, com crédito total de US$ 470 mil em cinco anos, seu patrimônio e movimentação bancária seriam compatíveis com o rendimento. A Subcomissão de Patrimônio teria constatado, porém, a existência de bens não declarados à Receita.
Já no governo Fernando Henrique Cardoso -para o qual fez indicações, como a do titular da Delegacia do Trabalho do Rio- Jefferson teve papel fundamental para o rompimento do PSDB com o PFL: no prazo fatal, o então líder do PTB formalizou um bloco com a bancada tucana, permitindo que o deputado Aécio Neves (MG) concorresse à presidência da Câmara, vaga prometida ao pefelista Inocêncio Oliveira (PE).
No ano seguinte, apoiou Ciro Gomes à Presidência da República. Até então, compara petistas ao demônio. Um deles foi o hoje líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP).
Após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que, apesar das diferenças, PTB e PT se uniriam "com afeto". A partir daí, fixou uma estratégia: aceitar cargos pouco expressivos, como o Ministério dos Esportes, para crescer dentro do governo e poder exigir mais.
Com o crescimento da bancada, Roberto Jefferson começou a exigir mais e a se queixar publicamente do não-atendimento das reivindicações.
Como presidente do PTB, ano passado, determinou a aliança com o PT nas capitais para as eleições de 2004, contrariando a filha, aliada a Cesar Maia (PFL) no Rio. Em troca, o PT ajudaria financeiramente o PTB.
Jefferson conquistou notoriedade como advogado de pobres no popular "O Povo na TV", na década de 80. Armado e com 170 quilos, Jefferson admite: "Era um troglodita". Hoje, mesmo com a redução do estômago e as aulas de canto, reage quando pedem calma: "Mudei. Mas não virei Mary Poppins".

Jefferson afirma que foi "informando a todos do governo" sobre a mesada a deputados paga por Delúbio e que Lula chorou ao saber do caso

Contei a Lula do "mensalão", diz deputado

DO PAINEL

Em sua entrevista à Folha, Roberto Jefferson afirma que levou a questão do "mensalão" a vários ministros do governo Lula e ao próprio presidente. Ele acredita que a prática só foi interrompida após Lula ser informado por ele, o que teria acontecido em duas conversas no princípio deste ano.
(RENATA LO PRETE)

Folha - Na tribuna da Câmara, o sr. disse ter sido procurado por pessoas que lhe pediam para resolver pendências nos Correios, que teria se recusado a traficar influência e que interesses contrariados estariam na origem da denúncia da revista "Veja". Por que o sr. não denunciou essas pessoas?
Roberto Jefferson -
Não se faz isso. Se você for denunciar todo lobista que se aproxima de você, vai viver denunciando lobista.

Folha - O consultor Arlindo Molina, uma das pessoas que o procuraram para tratar dos Correios, afirma que, ao contrário do que o sr. disse no pronunciamento, o conhece há anos. Essa versão procede?
Jefferson -
A entrevista dele está completamente equivocada, até nas datas. Eu o conheci em março de 2005. Não é verdade que nos conhecíamos antes disso.

Folha - O sr. fala em guerra comercial. Mas não está em curso nos Correios, também, uma guerra por espaço entre os partidos?
Jefferson -
Não. Mas eu entendo o Fernando Bezerra [senador pelo PTB e líder do governo no Congresso] porque, na primeira matéria da "Veja", está dito que ele indicou o Ezequiel Ferreira para a diretoria de Tecnologia dos Correios. Mas o Ezequiel nunca assumiu. Por que não mostraram quem está no cargo, se 60% daquela fita [a que registra a cobrança de propina] se refere às operações da diretoria de Tecnologia? Esconderam o atual, indicado pelo Silvio Pereira [secretário-geral do PT]. O Policarpo [Júnior, repórter de "Veja"] protegeu o PT.

Folha - Na contramão do que declarou à PF, o ex-presidente do IRB Lídio Duarte diz em gravação [divulgada pela "Veja"] que, enquanto esteve no cargo, foi pressionado a destinar mesada de R$ 400 mil ao PTB. O que o sr. tem a dizer?
Jefferson -
É algo que ele terá de esclarecer à PF. Eu tenho dele uma carta em que ele nega ter dado a entrevista. Em carta à "Veja", disse que não disse. Na PF, sob juramento, disse que não disse. Quem tem de decidir é a Justiça.
Conheci o doutor Lídio no princípio de 2003, na casa do José Carlos Martinez [presidente do PTB morto em outubro daquele ano em acidente aéreo]. Sabendo que o PTB indicaria o presidente do IRB, ele veio para se apresentar. Tive excelente impressão.
Depois da morte do Martinez ele se distanciou completamente do PTB. Por volta de agosto de 2004, eu o chamei ao meu escritório no Rio e disse: quero que você me ajude, procurando essas empresas que trabalham com o IRB, para fazerem doações ao partido nesta eleição, porque estamos em situação muito difícil. Ele ficou de tentar. Em setembro, ele voltou a mim e disse: deputado, não consegui que as doações sejam "por dentro", com recibo; querem dar por fora, e isso eu não quero fazer. Eu falei: então não faça.
Na conversa, o Lídio avisou que estava perto de se aposentar. Eu então avisei que iniciaria um processo para substituí-lo. Levei aos ministros José Dirceu [Casa Civil] e Antonio Palocci [Fazenda] o nome do doutor Murilo Barbosa Lima, diretor técnico do IRB. O nome ficou meses em aberto. A imprensa começou a dizer que havia dossiê contra ele. E o doutor Lídio, que dissera que iria se aposentar, se agarra com o doutor Luiz Eduardo de Lucena, que é o diretor comercial indicado pelo José Janene [líder do PP na Câmara], para ficar na presidência.
Aí se instala uma queda-de-braço entre o PTB e o PP. O Palocci conversa comigo e diz o seguinte: Roberto, vamos fazer uma saída por cima. Nós temos o diretor administrativo, um homem de altíssimo gabarito, o Appolonio Neto, sobrinho do Delfim Netto, fez um dos melhores trabalhos de modernização do IRB. A gente passa o Appolonio como sendo do PTB, e ele sendo sobrinho do Delfim, que é do PP, e a gente resolve a situação. Eu falei: não sou problema, está dada a solução. O doutor Appolonio foi uma indicação salomônica do ministro Palocci.

Folha - O sr. considera correta, legítima, essa forma de partilha dos cargos do governo?
Jefferson -
Você entrega aos administradores dos partidos que compõem o governo a administração do governo. O PT tem participação muito maior que a dos outros partidos da base. Tem 20% da base e 80% dos cargos.
Mesmo o IRB: o PTB tem a presidência, mas todos os cargos abaixo são do PT. A Eletronorte: o presidente, doutor Roberto Salmeron, é um dos melhores quadros do PTB. Mas, de novo, toda estrutura abaixo é do PT. O diretor mais importante, o de Engenharia, é o irmão do ministro Palocci. O doutor Salmeron é uma espécie de rainha da Inglaterra. A ministra [Dilma Rousseff, das Minas e Energia] despacha com o irmão do Palocci. Tudo isso foi construído lá atrás, com o Silvio Pereira, o negociador do governo.

Folha - Qual é a sua relação com Henrique Brandão, da corretora de seguros Assurê?
Jefferson -
Pessoal. Meu amigo fraterno há 30 anos. Era um homem pobre. Por seu mérito, transformou-se no maior corretor privado do Brasil. O Henrique é grande há muito tempo. Está em Furnas há 12, 15 anos.

Folha - De volta à gravação, o sr. rejeita a afirmação de que Henrique Brandão pedia contribuições em seu nome no IRB?
Jefferson -
Nunca foi feito tal pedido. Volto a dizer: a única coisa que houve foi um pedido, feito por mim ao Lídio, de ajuda para o PTB na eleição. E eu compreendi as razões de ele não poder ajudar.
Eu quero contar um episódio. Na véspera de eu fazer meu discurso no plenário da Câmara, havia uma apreensão muito grande dos partidos da base, em especial o PL e o PP, e do próprio governo.
Dez minutos antes de eu sair para falar chega aqui, esbaforido, Pedro Corrêa (PE), presidente do PP: "Bob, cuidado com o que você vai falar. O governo interceptou uma fita de você exigindo do Lídio dinheiro para o PTB". Eu dei um sorriso e disse: "Pedrinho, se era essa a sua preocupação, pode ficar tranqüilo, essa conversa nunca existiu. Não sou assim, nem o doutor Lídio é assim". Aí ele rebateu: "Mas pode ter sido seu genro [Marcus Vinícius Ferreira]". Eu falei: "Meu genro é um homem de bem. E eu vejo, Pedrinho, que você não tem convicção de fita nenhuma. Fica calmo que eu não vou contar nada do que eu sei a respeito de "mensalão'".

Folha - E o que o sr. sabe?
Jefferson -
Um pouco antes de o Martinez morrer, ele me procurou e disse: "Roberto, o Delúbio [Soares, tesoureiro do PT] está fazendo um esquema de mesada, um "mensalão", para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada deputado. O que você me diz disso?". Eu digo: "Sou contra. Isso é coisa de Câmara de Vereadores de quinta categoria. Vai nos escravizar e vai nos desmoralizar". O Martinez decidiu não aceitar essa mesada que, segundo ele, o doutor Delúbio já passava ao PP e ao PL.
Morto o Martinez, o PTB elege como líder na Câmara o deputado José Múcio (PE). Final de dezembro, início de janeiro, o doutor Delúbio o procura: "O Roberto é um homem difícil. Eu quero falar com você. O PP e o PL têm uma participação, uma mesada, eu queria ver se vocês aceitam isso". O Múcio respondeu que não poderia tomar atitude sem falar com o presidente do partido.
Aí reúnem-se os deputados Bispo Rodrigues (PL-RJ), Valdemar Costa Neto [SP, presidente do PL] e Pedro Henry (PP-MT) para pressionar o Múcio: "Que que é isso? Vocês não vão receber? Que conversa é essa? Vão dar uma de melhores que a gente?". Aí o Múcio voltou a mim. Eu respondi: "Isso desmoraliza. Tenho 22 anos de mandato e nunca vi isso acontecer no Congresso Nacional".

Folha - O sr. deu ciência dessas conversas ao governo?
Jefferson -
No princípio de 2004, liguei para o ministro Walfrido [Mares Guia, Turismo, PTB] e disse que precisava relatar algo grave. Conversamos num vôo para Belo Horizonte. "Walfrido, está havendo essa história de "mensalão"." Contei desde o Martinez até as últimas conversas. "Em hipótese alguma. Eu não terei coragem de olhar nos olhos do presidente Lula. Nós não vamos aceitar."
E eu passei a viver uma brutal pressão. Porque deputados do meu partido sabiam que os deputados do PL e do PP recebiam.
As informações que eu tenho são que o PMDB estava fora. Não teve "mensalão" no PMDB.
Fui ao ministro Zé Dirceu, ainda no início de 2004, e contei: "Está havendo essa história de mensalão. Alguns deputados do PTB estão me cobrando. E eu não vou pegar. Não tem jeito". O Zé deu um soco na mesa: "O Delúbio está errado. Isso não pode acontecer. Eu falei para não fazer". Eu pensei: vai acabar. Mas continuou.
Me lembro de uma ocasião em que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do PTB oferecendo a eles "mensalão", que ele recebia de repasse do doutor Delúbio. E eu pedi ao deputado Iris Simões (PTB-PR) que dissesse a ele: se fizer, eu vou para a tribuna e denuncio. Morreu o assunto.
Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: "Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um "mensalão". Hoje eu sei que são R$ 3 mi, R$ 1,5 mi de mensal para o PL e para o PP. Isso vai explodir". O Ciro falou: "Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso".
Aí fui ao ministro Miro Teixeira, nas Comunicações. Levei comigo os deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio. Falei: "Conte ao presidente Lula que está havendo o "mensalão'". Nessa época o presidente não nos recebia. Falei isso ao Aldo Rebelo, que então era líder do governo na Câmara.

Folha - A quem mais no governo o sr. denunciou a situação?
Jefferson -
Disse ao ministro Palocci: "Tem isso e é uma bomba". Fui informando a todos do governo a respeito do "mensalão". Me recordo inclusive de que, quando o Miro Teixeira, depois de ser ministro, deixou a liderança do governo na Câmara, ele me chamou e falou: "Roberto, eu vou denunciar o "mensalão". Você me dá estofo?". Eu falei: "Não posso fazer isso. Vamos abortar esse negócio sem jogar o governo no meio da rua. Vamos falar com o presidente Lula que está havendo isso". Me recordo até que o Miro deu uma entrevista ao "Jornal do Brasil" denunciando o "mensalão" e depois voltou atrás.
No princípio deste ano, em duas conversas com o presidente Lula, na presença do ministro Walfrido, do líder Arlindo Chinaglia, do ministro Aldo Rebelo, do ministro José Dirceu, eu disse ao presidente: "Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando "mensalão" aos deputados". "Que "mensalão'?, perguntou o presidente. Aí eu expliquei ao presidente.

Folha - Qual foi a reação dele?
Jefferson -
O presidente Lula chorou. Falou: "Não é possível isso". E chorou. Eu falei: É possível sim, presidente. Estava presente ainda o Gilberto Carvalho [chefe-de-gabinete do presidente].
Toda a pressão que recebi neste governo, como presidente do PTB, por dinheiro, foi em função desse "mensalão", que contaminou a base parlamentar. Tudo o que você está vendo aí nessa queda-de-braço é que o "mensalão" tem que passar para R$ 50 mil, R$ 60 mil. Essa paralisia resulta da maldição que é o "mensalão".

Folha - Isso não existia também no governo passado?
Jefferson -
Nunca aconteceu. Eu tenho 23 anos de mandato. Nunca antes ouvi dizer que houvesse repasse mensal para deputados federais por parte de membros do partido do governo.

Folha - O que, em sua opinião, levou a essa situação?
Jefferson -
É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa.

Folha - O que fez o presidente Lula diante de seu relato?
Jefferson -
Depois disso [da conversa] parou. Tenho certeza de que parou, por isso está essa insatisfação aí [na base parlamentar]. Ele meteu o pé no breque. Eu vi ele muito indignado.
Pressão, pressão, pressão, pressão. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, todo mundo tem, todo mundo tem. Acho que foi o maior erro que o Delúbio cometeu.
E o presidente agora, desde janeiro, quando soube, eu garanto a você [que o "mensalão" foi suspenso]. A insatisfação está brutal porque a mesada acabou.
Serenamente eu já tenho o caminho traçado: não me preocupa mais o mandato, não vou brigar por ele. Só não vou sair disso como um canalha, porque não sou.
"Sim, eu preciso da CPI, eu errei", diz Jefferson

DO PAINEL

Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é "fundamental" para a sua imagem e de seu partido. "Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter recuado."
Na entrevista de ontem, o petebista também atacou o PT e o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, o partido do presidente "não tem coração". E mais: "Ele [o PT] nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia".
Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de corrupção envolvendo seu nome. "O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são solidários."
Na entrevista com a Folha, Jefferson relatou sua relação com os personagens citados nas últimas denúncias. Se disse distante de Maurício Marinho (ex-servidor dos Correios que aparece em fita negociando propina) e sugeriu que o ex-presidente do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) Lídio Duarte estava bêbado quando tratou de propina em entrevista.
E confessou: "[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto".
(RENATA LO PRETE)

Folha - Como presidente do PTB, há alguma coisa que hoje o sr. faria diferente em relação ao PT e ao governo Lula?
Roberto Jefferson -
O PT não tem coração.

Folha - Mas, à luz de sua mágoa...
Jefferson -
Eu não tenho mágoa, não.

Folha - Se o senhor voltasse atrás, o senhor conduziria o partido de alguma outra maneira?
Jefferson -
Não faria, não faria, não faria, não faria o acordo com o governo. Não faria. Eu sempre disse aos meus companheiros, e eles são testemunhas desde o início, o PT não tem coração, só tem cabeça. Ele nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia. Nós somos para o PT gente de segunda, eu sempre me senti assim. A relação sempre foi a pior possível. O [José Carlos] Martinez [então presidente do PTB] morreu [em 2003] dizendo que ele queria carinho do presidente Lula, que jamais o recebeu. Essa política mudou recentemente. O presidente passou a fazer política há algum tempo atrás e a nos receber. A nossa relação com o PT não é boa, não é boa. Você não pode confiar -o que está fechado não está fechado. Tudo o que é dito não é cumprido. Toda a palavra que é empenhada não é honrada. O PT esgarçou, esgarçou, esgarçou a minha autoridade como presidente do PTB, porque prometeu e não cumpriu. O pior foi na eleição, o que o Genoino [presidente do PT] fez comigo. Ele e o seu Delúbio [Soares, secretário de Finanças do PT].
Prometeram e não cumpriram, e eu avalizei diante dos companheiros o que eles fariam, lá na sede do PT. Então esgarça a autoridade, esgarça o limite, a relação. Quando atende, já não vale mais, porque você já sofreu tanto, já passou tanta privação, já ficou um negócio tão ruim.

Folha - A impressão é que a relação entre PT, governo e PTB caminhava para um entendimento mais orgânico.
Jefferson -
Essa fita da revista ["Veja"] sobre a empresa de Correios. O governo se afastou, correu. Porque entendeu que a relação ao nosso lado... o próprio discurso do Genoino desqualificava a relação. Eu entendi claramente o discurso do deputado Genoino de que seria preciso requalificar a base -o PTB é uma base desqualificada. Foi isso que afetou. Não segurou ninguém. Não são parceiros, não são solidários.

Folha - E a relação do sr. com os citados nos casos dos Correios e do IRB [Instituto Brasileiro de Resseguros]?
Jefferson -
Não tratei de nenhum assunto com o doutor [Maurício] Marinho [ex-funcionário dos Correios que aparece em fita negociando propina]. Com a CPI, com a quebra de sigilos telefônico e fiscal, vai ficar claro que ele não tem nenhuma relação comigo. Tenho relação com o doutor Antonio Osório [ex-diretor de Administração dos Correios]. É meu velho amigo, amigo querido, deputado federal comigo em 1982. Vinha sempre terminar as noites aqui no PTB, batendo papo comigo. Um homem sério, um homem honrado, correto. Podem investigar a vida dele que não vão encontrar nada, porque não tem. Pobrezinho. Vive do salário do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], onde ele é funcionário há 35 anos.

Folha - O senhor quer a CPI?
Jefferson -
Sim. Eu preciso. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter recuado. Porque vão circunscrever a desonra ao PTB. E o PTB só pode recuperar sua auto-estima e sua honra falando de público ao povo, para ser julgado. Quero olhar nos olhos do povo, porque eu não tenho dúvida de que a CPI será transmitida por todo mundo, pelas redes de TV e de rádio. Então, eu vou falar olhando dentro dos olhos das pessoas que estão em casa.
Para a honra do PTB, para a nossa imagem e a do PTB, é fundamental que haja CPI.

Folha - Por que o sr. mudou de opinião sobre a CPI?
Jefferson -
Eu vi que o governo agiu para isolar o PTB. Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. A "Veja" falou que sou o homem-bomba. E o que você faz com a bomba? Ou desativa ou faz explodir. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido.

Folha - E o Lídio Duarte?
Jefferson
- A minha relação com o doutor Lídio [Duarte, ex-presidente do IRB] foi a mais elevada e a mais correta. Se você me disser: "Roberto, você ficou com alguma chateação com o doutor Lídio?" Eu respondo: fiquei. Achei que, por ódio, por eu tê-lo afastado da presidência do partido. Conheço o doutor Lídio por ter conversado com ele umas três ou quatro vezes pessoalmente. Achei que na entrevista à "Veja" ele estava um pouquinho alterado, bebida.
Tanto que ele procurou se redimir nas cartas e no depoimento à PF. Eu tenho dele a melhor impressão, um homem honrado, honrou o PTB à frente do IRB, não é? Ajudou, dentro da lei, ao PTB quando nós pedimos ajuda a ele. Quando eu pedi a ele que ajudasse através das segurados e corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB, ele não conseguiu, porque ninguém queria dar por dentro [de maneira legal], temendo isso que está aí, isso de que o Henrique Brandão é hoje vítima. Doou R$ 70 mil para a campanha de Cristiane, filha de Roberto Jefferson, esse bandido. É a leitura que fazem. Ninguém quer correr riscos. Isso é ruim. Nós vamos ter de discutir esse processo. Aqui, doação é sinônimo de crime, quando não é.
Eu não temo o enfrentamento público. Nunca temi. Talvez por isso eu tenha construído essa fama de truculento, de homem violento. Não sou um homem agressivo, não tenho na minha vida registro de uma lesão corporal contra uma pessoa, não fiz nenhum mal a uma pessoa. Só cara de bravo, pinta de bravo, jeito de bravo.

Folha - Como têm sido seus últimos dias?
Jefferson -
Antes eu temia no olhar das pessoas a rejeição da obesidade mórbida que eu ostentava [pesava 175 kg antes de operação de redução do estômago. Hoje está com 96 kg]. Era uma coisa meio patológica, que graças a Deus eu superei. Agora vou enfrentar mais essa.
Já passei já por duas CPIs, a do Collor e a do Orçamento. Quando o senador [Eduardo] Suplicy me denunciou, ou o PT me denunciou, disse que eu houvera recebido US$ 1 milhão, a minha vida virou um inferno. Já fui investigado, minha ex-mulher foi investigada, meus filhos, meu pai.
É um sofrimento. E eu estou vendo que esse processo está voltando. Eu não posso mais sair na rua. Eu estou cativo das denúncias que são feitas contra mim. Hoje eu sou prisioneiro, aqui do apartamento funcional. Se eu sair na rua, você verá: "Olha lá o ladrão dos Correios, o ladrão do IRB". Nem ao dentista eu estou conseguindo ir mais. É difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto.

Folha - Nesta semana a revista "Época" traz reportagem na qual um sorveteiro é acusado de atuar como laranja do sr. em duas rádios.
Jefferson -
O [empresário de Três Rios] Edson [Elias Bastos] Jorge, que já possuía uma rádio, a Rádio Três Rios, pediu duas concessões de rádio, e eu ofereci. E disse: "Você vai colocar lá o Durval [da Silva Monteiro, dono de uma sorveteria em Cabo Frio e ex-funcionário do petebista], que é meu irmão preto, esse guerreiro, meu amigo do peito. Você vai ajudar dando a ele a participação acionária no contrato social da rádio. Então você vai dar na rádio AM que vai sair em Paraíba do Sul e nessa FM de Três Rios, a participação do Durval". É uma maldade, é uma perversidade da revista tratar o Durval como laranja.


Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília


O TESOUREIRO

Petista já protagonizou episódios ruidosos

Delúbio Soares tem pretensão eleitoral
DA REPORTAGEM LOCAL


Responsável por uma arrecadação que superou R$ 48 milhões no ano passado, Delúbio Soares, 49, já disse à Folha que pretende concorrer ao Governo de Goiás ou à vaga de deputado pelo Estado em 2006.
O exílio - incluindo sua saída da Executiva em setembro - faz parte da estratégia desenhada pela cúpula do PT para tirar o tesoureiro do partido do cenário nacional. O professor de matemática é figura constante em reuniões políticas e, desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, protagonizou episódios ruidosos.
Como secretário de finanças do PT, Delúbio se viu em meio à polêmica sob a acusação de ter pedido ao Banco do Brasil que comprasse 70 ingressos (R$ 1.000 por mesa) para um show em benefício do PT. Na mesma época, foi divulgado que a família de Delúbio - então com salário de R$ 6 mil - comprara fazendas em Goiás com dinheiro vivo.
Tamanha exposição dificultou a abordagem de empresários, e o PT fechou as contas de 2004 com um buraco de R$ 20,4 milhões. E, numa prova de que talvez não tenha boa sorte, Delúbio ressurgiu com a falência do Banco Santos. O PT tinha R$ 47,5 mil depositados lá. (CATIA SEABRA)


Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília

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