Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 11, 2005

Desencanto petista


ISTO É
Mergulhado em denúncias de corrupção e
acusado de paralisia política, Lula tenta
sobreviver à CPI e à decepção de brasileiros.
Para atenuar a crise, deve anunciar uma
reforma, que promete sangrar até os
"companheiros", como Dirceu e Aldo Rebelo
Florência Costa e Luiz Cláudio Cunha

E o desencanto venceu a esperança. Atordoado com o impacto da mais
grave crise política do governo Lula, envolvendo a denúncia de uma mesada para comprar a fidelidade de deputados da base aliada à custa dos cofres de empresas estatais, o Brasil começou a se debater com uma dúvida impensável na crônica corrupção que assola o País: até tu, PT? Há quatro semanas, desde que um diretor dos
Correios se revelou nas telas da tevê embolsando R$ 3 mil de propina, o espanto aumenta, junto com a gula dos maus políticos pelo dinheiro público. Na semana passada, enfim, o manto da moralidade foi estraçalhado numa entrevista à Folha de S.Paulo do deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente nacional do PTB – quarto maior partido da base aliada, com 47 deputados e três senadores –, acusando o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, de dar uma mesada de R$ 30 mil (o "mensalão") a parlamentares aliados do PL e PP em troca do apoio ao Palácio do Planalto.

Luis Viegas
Luis Fernando Verissimo, em sua coluna publicada em vários jornais, na quinta-feira 9: "No fim, a explicação que tem de ser dada não é a dos suspeitos para os jornais e as CPIs, é a do PT para os seus militantes e eleitores, para aquele cara acenando sua bandeira vermelha na esquina, sozinho, de graça, porque acreditava e confiava. E o que precisam lhe explicar
é por que mágica seu voto no PT deu num Roberto Jefferson com tantos poderes no governo, inclusive o
de derrubá-lo"

A denúncia incendiou o Congresso, paralisou o governo, derrubou a Bolsa de Valores, disparou o dólar, chamuscou a bandeira ética do PT, ocupou manchetes da imprensa internacional e, mais do que tudo, chocou o País. Cinco ministros, um governador de Estado e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegaram a tomar conhecimento do "mensalão" ainda no ano passado, mas nenhuma providência foi tomada. Constrangido, Lula não se inibiu na terça-feira 7 com a presença de tantos estrangeiros em Brasília no IV Fórum Global de Combate à Corrupção, evento patrocinado pela ONU, para esboçar uma reação: "Não vamos acobertar ninguém", avisou, apontando o dedo para o partido ao qual ajudou a fundar, 25 anos atrás, envolto na bandeira da ética política. "Cortarei na própria carne, se necessário." E será. Na quinta-feira 9, o Congresso instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os Correios, com o apoio, inclusive, do PT – num contorcionismo inédito para um partido que brigava havia dias para abafar a CPI e foi forçado pelo próprio Lula a engolir a investigação que pode devassar suas entranhas.

No rastro do incêndio, o Planalto desencadeou
uma reforma política de emergência para, em
45 dias, tentar modelar um novo sistema partidário
imune à roubalheira e à compra de consciências,
que o próprio PT estimulou para não repartir os
gabinetes do poder com os aliados. De quebra, vem
aí uma implosão na máquina administrativa e um solavanco ministerial que o Planalto deve ao País. Na quarta-feira 8, Lula anunciou a dois ministros de sua confiança, numa reunião no Palácio: "Vou fazer uma reforma ministerial profunda, reduzindo os ministérios de 36 para 20 pastas." O tsunami da Esplanada pode varrer José Dirceu e Aldo Rebelo de suas cadeiras na Casa Civil e na Coordenação Política. Outros membros do primeiro escalão que estão sendo investigados também devem perder os cargos, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Previdência, Romero Jucá. Para o lugar de Meirelles no BC já há substituto: Murilo Portugal, secretário executivo do Ministério da Fazenda. O governo vai sangrar, como já sangra o PT, com sua mística e sua história, perante o desencantado eleitor brasileiro.

O mais decepcionado deles é o petista número 1 do País, Lula, que já começa
a admitir aos amigos mais íntimos o que ninguém imaginava antes do vendaval:
ele pode não disputar a reeleição. Dois anos e cinco meses depois de assumir, amparado por mais de 53 milhões de votos, o próprio Lula se perguntava,
irritado, numa conversa com assessores na terça-feira 7, como e quando começaram os erros do governo. A resposta estava na própria entrevista de Jefferson. "É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir poder. É
mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. Quem é pago não pensa", definiu, impiedoso, o acusador. Ou numa declaração anterior, mais branda, de outro aliado mais refinado, o ex-presidente José Sarney: "Falta política com P maiúsculo no governo."

Monalisa Lins/AE
Chico de Oliveira, sociólogo: "Tudo isso é previsível. O governo é prisioneiro da aliança que não controla. E vai piorar, viu? Para citar García Márquez, é a crônica de uma crise anunciada. O governo Lula acabou. Agora, será um governo de coabitação; ele vai depender da moderação do PSDB para continuar até o fim de seu mandato. Lula só governa com o consentimento de tucanos e pefelistas. Esse é o resultado da inépcia política do PT"

Pouco antes de assumir, o presidente Lula declarou que pretendia fazer um governo de coalizão com outros partidos. As negociações envolviam o maior partido do Congresso, o PMDB. E começaram marcadas por um caráter institucional – o tal "P" maiúsculo de que fala Sarney. Lula e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, encontraram-se com os então líderes do PMDB na Câmara, Eunício Oliveira, e no Senado, Renan Calheiros, além do próprio Sarney e do presidente do partido, Michel Temer, para discutir a participação que teriam no governo. É claro, incluía-se aí a divisão dos ministérios entre o PT e os aliados e a definição de uma política comum. Mas logo o presidente se viu amarrado por seu partido. Do chamado Campo Majoritário à Democracia Socialista, passando pela Articulação de Esquerda ao Movimento PT, todas as tendências queriam ser contempladas e não havia tanto espaço assim para os novos parceiros. Talvez aí tenha surgido a idéia de que era mais barato comprar os aliados fisiológicos sem precisar dar-lhes poder. A aliança formal com o PMDB foi rechaçada e, mesmo assim, Lula acabou fazendo um Ministério de 34 pastas.

Engorda – Foi por essa época que começou a política com "p" minúsculo. Resolveu-se liberar às vésperas de cada votação, em troca do voto favorável ao governo, o pagamento das emendas que os parlamentares fazem ao Orçamento pedindo obras para suas bases eleitorais. Depois, promover uma política de engorda dos pequenos partidos, como o próprio PTB, o PP e o PL, cujos líderes estavam sob maior controle do Planalto. Daí, segundo Jefferson, veio a mecânica do "mensalão", que ele promete dissecar na terça-feira 14, quando irá depor no Conselho de Ética da Câmara. Jefferson vai repetir o que já disse a poucos aliados: o morcego petista – na figura do tesoureiro do partido, Delúbio Soares – sobrevoava algumas estatais, retalhadas entre os partidos e seus aliados, recolhia contribuições e as repassava para mãos de confiança em Brasília. A essas "mãos de confiança" Jefferson dá nome e número do título de eleitor: o presidente do PL, Valdemar Costa Netto, e o líder do PP na Câmara, José Janene. Testemunhas constrangidas contaram à reportagem de ISTOÉ que, num apartamento da Superquadra 311 Sul, onde fica a residência oficial de muitos deputados, o dinheiro pousava regularmente em maços de notas previamente separados. "Os carros estacionavam, um ao lado do outro, e o deputado subia ao andar quando recebia o sinal de que o outro já estava descendo. Mas às vezes congestionava no corredor. Era muito chato", conta um motorista que se lembra, envergonhado, da cena.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog