Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 09, 2005

Crise e reforma política- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

folha de s paulo

Os escândalos se sucedem interminavelmente. Entra governo, sai governo, o quadro não evolui. Os personagens mudam, mas o enredo é basicamente o mesmo. O governo Lula caiu na vala comum.
A crise política atual se presta a usos variados. Muitos tucanos, por exemplo, estão exultantes e reavaliam com otimismo as suas chances para 2006. Alguns, mais afoitos, propõem uma correção ortográfica: "Lulla" em vez de "Lula".
Mas não vamos esquecer episódios recentes. Como lembrou editorial deste jornal, "não há muita diferença entre o "mensalão" de hoje e a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição em 1997".
Outros valem-se das novas denúncias para alimentar a idéia de que toda a classe política é corrupta. Ora, colocar todos no mesmo barco é altamente conveniente para os ladrões.
Há uma reação ainda mais radical e simplória: proclamar que o Brasil inteiro é que é estruturalmente corrupto. Um celebrado articulista de jornal chegou a culpar "a secular escrotidão portuguesa", responsável pelo "DNA dos canalhas de hoje".
Os portugueses, coitados, nada têm a ver com isso. Mas há uma mensagem subliminar nessa retórica: se nós, brasileiros, somos geneticamente corruptos, não podemos nos autogovernar e temos que ser comandados de fora.
Não é preciso ter grande conhecimento do resto do mundo, basta acompanhar o noticiário internacional, para saber que a corrupção está longe de ser prerrogativa nacional. Infelizmente, sempre haverá público para esse tipo de autoflagelação. Como dizia Nelson Rodrigues, o brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem.
Mas estou me desviando do assunto. Eis o que queria dizer: as raízes do problema estão no sistema político. As regras do jogo induzem permanentemente à corrupção. As campanhas eleitorais são caríssimas. Os donos do dinheiro comparecem e fazem um investimento com retorno esperado. Quando se elege, o político já chega mais ou menos comprometido com determinados lobbies e interesses. Passa então a representá-los no Congresso ou a atuar em seu favor no Executivo. Se quiser sobreviver, precisa dançar conforme essa música.
Governar também pode ser caríssimo. Em 2003, por exemplo, a reforma da Previdência do setor público era considerada a prioridade das prioridades pela equipe econômica do governo. Autoridades declaravam que a reforma da Previdência era essencial para reduzir os juros no Brasil. Boa parte da proposta do governo exigia emendas constitucionais, ou seja, três quintos dos votos, em dois turnos, na Câmara e no Senado. Não é nada fácil convencer parlamentares a introduzir, por exemplo, contribuição previdenciária de aposentado. Depois de muito barulho e negociação, saiu a reforma da Previdência, em formato próximo ao desejado pelo governo. E os juros continuaram na estratosfera.
Agora, veio a público que o "mensalão" já estava vigorando naquela época. Se as denúncias tiverem fundamento, aposentados do Brasil inteiro vão querer saber direitinho que deputados votaram com o governo nessa e em outras questões, em troca de uma gorda mesada, e quem são os integrantes do governo responsáveis pela montagem da operação.
O fundamental, entretanto, é aproveitar a crise política para colocar na ordem do dia a mais importante de todas as reformas: a do sistema político. Enquanto esse problema não for enfrentado, não adianta trocar de governo, não adianta trocar os partidos no poder.
Sei que é difícil. O poder econômico não quer nem pensar nisso: é assim que eles controlam o processo político. A maior parte da classe política também não quer tocar no tema: afinal, com essas regras é que eles subiram na vida.
Especialistas já vêm estudando o tema há muito tempo. Trata-se de reformular a legislação e os mecanismos de fiscalização e punição no que diz respeito a financiamento de campanhas, propaganda eleitoral, partidos políticos e funcionamento do Congresso e do Executivo. O essencial é reduzir o poder do dinheiro sobre as eleições e os governos. A democracia se tornaria então um pouco menos fictícia do que é hoje.
Utopia desvairada? Até o próximo escândalo, então.

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