Primeira Leitura | ||
É de morrer de rir ver Lula fazer uma profissão de fé contra o populismo num fórum dedicado a combater a corrupção! É um caso típico de discurso fora do lugar. Até porque, no dia seguinte, seu partido convocou a militância a tomar as ruas | ||
O último que conclamou a população a sair às ruas em defesa do governo foi Fernando Collor, naquele pedido patético para que os brasileiros se vestissem de verde e amarelo. No outro dia, o país estava coalhado de gente envergando luto. Não será ainda o caso desta vez. Até porque, à sua maneira, Delúbio e Genoino sabem o que fazem: parte dos que usaram preto contra Collor vestirá vermelho, desta vez, a favor de Lula. Muito bem: a similaridade com o ex-presidente se esgota aqui. A partir deste ponto, sai Collor, entra Hugo Chávez como inspiração do petismo. Àqueles sempre muito seduzidos e encantados com a conversão do PT à democracia, está sendo dada a primeira lição: esses caras não temem crise, não, senhores! Eles investem nela porque acreditam que, ao fim, saem sempre ganhando. Assim fizeram ao longo de 25 anos e foram bem-sucedidos. Acuados por denúncias, descendo a ladeira da ética, dos bons costumes políticos, da decência, da funcionalidade, da governabilidade, restou o quê? Partir para a clivagem que sempre esteve subjacente ao discurso do próprio Lula: de um lado, o povo pobre, sedento de justiça; de outro, as elites. O ato proposto é um sinal de que eles se julgam prontos a ir para o confronto. Golpeiam as instituições; tratam o Parlamento como um lupanar; aparelham o Estado; privatizam o destino do país, colando-o ao do partido, e, ora vejam, na hora em que as coisas apertam, fazem o quê? Denunciam a desestabilização. Como se não fossem eles mesmos a desestabilizar o país, o governo e as próprias instituições. Tudo isso estava escrito e inscrito na estrela. Alguns, como nós (e não fomos os únicos, felizmente), viram e acusaram o risco precocemente; outros perceberam, mas julgaram, sei lá, que o país deveria cumprir uma espécie de carma (eu, hein...); uns poucos, com certa soberba, acreditaram que a razão sempre triunfa no fim (o que é uma inverdade provada cotidianamente pela história); muitos, mais cínicos, apostaram que era possível encabrestar o petismo e ainda colher alguns lucros com isso. Pois bem. Se é assim, então é chegada a hora de a sociedade civil não se deixar intimidar pelo apparatchik. Antes que prossiga, retomo, como parêntese, o que escrevi na edição anterior. Usando a expressão do colunista Antonio Fernandes do site e-agora (www.e-agora.org.br), reitero quão inútil se mostra a "síndrome da oposição responsável" que acometeu alguns tucanos na última hora, como se lhes coubesse ajudar Lula a sair da crise. O papel da oposição responsável é propugnar em favor da saída institucional e legal. Nada além disso. Qualquer outra acomodação que não se atenha à letra da lei, que é democrática, concorre apenas para o projeto de poder do PT, que está agonizando, mas não está morto. Faltava-lhe apelar ao recurso ora anunciado: as ruas. Não foi sempre assim? Eles eram contra as privatizações? Chamavam-se as ruas. Eles queriam mais "ética na política" (rá, rá, rá)? Chamavam-se as ruas. Eles queriam reajuste de 70% (!!!) para o funcionalismo (hoje, concedem 0,1%)? Chamavam-se as ruas. Eles queriam uma mega-CPI com 45 acusações de corrupção? Chamavam-se as ruas. Eles queriam uma reforma agrária na lei e outra na marra? Chamavam-se as ruas. Eles eram contra o "neoliberalismo"? Chamavam-se as ruas. Há, como sabem, grande charme em chamar o povaréu a tomar as praças quando se é de oposição e se goza do charme de ser de esquerda e a favor da justiça social, do bem, do belo e do justo. Há, sim. Enquanto faziam a sua cantilena, parte de seus propagandistas espalhavam nas colunas de jornal aquela que seria a nova ética, o novo jeito de fazer política. Na academia, ideólogos derramavam prosopopéias a respeito da redenção vindoura. Os jardineiros do óbvio viam naquela oposição sistemática o florescer pleno do regime democrático, e poucos de preocupavam em argüir, então, qual era a alternativa com a qual acenava o principal partido de oposição. Inexistia, sabemos, mas apontá-lo era considerado crime de lesa-democracia. Pois bem: os que convocavam a população a ocupar as ruas para a mobilização do contra agora a convocam para a mobilização a favor. Se antes se sentia o olor da democracia popular e do povo na rua, agora se sente, perdoem-me a palavra, o fedor do chavismo. O que o PT está dizendo? Na prática, está afirmando que é um fórum mais competente do que a CPI, o Congresso e a Justiça para dar um veredicto sobre o caso. Mais ainda: só vai aceitá-lo pacificamente se estiver de acordo com as suas necessidades e urgências. Pior: Genoino e Delúbio não convocaram apenas a militância. Aproveitaram também para chamar sindicatos, ONGs e, claro, o MST, esta espécie de exército de reserva do petismo, sempre disposto a ser a tropa de choque do partido. Uma disposição, diga-se, já anunciada outras vezes por João Pedro Stedile, que mobiliza a sua turma contra algumas políticas do governo, mas sempre deixando claro seu apoio ao presidente. Chegou a hora de pagar a fatura pela leniência oficial até agora havida com as invasões. Povo na ruaLula, não faz tempo, expressou a sua admiração pelo que considerou "avanços democráticos" na América Latina, ocasião em que viu a Venezuela "mais avançada" do que os outros países. O PT tentou repetir aqui, embora não tenha conseguido, o mesmíssimo comportamento de Chávez na Venezuela. Como chegou ao poder num país institucionalmente organizado, à diferença de seu companheiro do norte, seus arreganhos autoritários foram sempre contidos e combatidos pela sociedade civil. Mas é claro que o projeto não mudou. O México está prestes a cair presa de um populista perigoso. Chávez já comanda uma quase-ditadura na Venezuela. O Equador vive às vésperas de uma nova rodada de instabilidade. A Bolívia experimenta uma convulsão, com Evo Morales de braços devidamente dados com o presidente da Venezuela. Um movimento narcoguerrilheiro na Colômbia conta o apoio explícito de Chávez e com, no mínimo, a tolerância do governo brasileiro — petistas se encontraram com representantes das Farc no Brasil. A Argentina ainda vive suspiros da mais grave crise institucional de sua história. No Peru, o presidente tem o apoio de menos de 10% da população é vive escondido. Todos os países listados — com a exceção do Peru, que vive um período de notável crescimento, mas paga o preço de injustiças sociais históricas — vivem crises políticas decorrentes, na verdade, de problemas que nascem na economia. No Brasil, a crise é essencialmente política, nascida do fato de que o PT não compreende o processo democrático. E, agora, com a sua convocação para que a militância tome as ruas, mimetiza por aqui o que os seus congêneres de esquerda têm feito continente afora. Ainda LulaQuero voltar ao pronunciamento de Lula no fórum contra a corrupção. Disse ele que as instituições estão em risco neste país. Mais uma vez, como quase sempre, Lula está errado. Quem está em risco é seu governo. Quem está em risco é o PT. O presidente é mesmo engraçado: quando ele comandava o povo nas ruas contra a "corrupção" nos governos alheios, tratava-se, diziam, de exercitar a democracia. Quando há uma mobilização contra a corrupção em seu governo, as instituições logo são ameaçadas. Tenha paciência! Finalmente, é de morrer de rir ver Lula fazer uma profissão de fé contra o populismo num fórum dedicado a combater a corrupção! É um caso típico de discurso fora do lugar. Até porque, no dia seguinte, seu partido convocou a militância a tomar as ruas. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, junho 09, 2005
Convocação lembra a de Collor, mas é chavismo em estado puro Por Reinaldo Azevedo
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