Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 03, 2005

CLÓVIS ROSSI :O país da "enrolation"

SÃO PAULO - Não sei se o brasileiro é o melhor do Brasil, mas que os publicitários brasileiros são craques em retratar a alma profunda da pátria, lá isso são.
Exemplo mais recente: a propaganda de uma cerveja em que o rapaz encosta no balcão, uma loira se aproxima e fala com ele em inglês. O rapaz cobra do cérebro: "Inglês!". Os neurônios se agitam até que um deles dá a solução: é só pedir a cerveja tal que o resto é "enrolation".
É ou não é o Brasil, o país da "enrolation"? Que pode tomar várias formas: gambiarra, "gato", "por fora", "com nota ou sem nota?". Noutro dia, descobri a mais recente "enrolation": fui comprar auricular para o celular. O rapaz que atendeu perguntou: "Original ou genérico?".
É a forma "enrolation" de não precisar dizer pirateado.
Tem "enrolation" sofisticada. Sonegação no país da "enrolation" toma duas formas: a velha conhecida (no mundo todo), pela qual o sujeito simplesmente não paga; mas tem também a chamada "elisão fiscal", uma baita "enrolation" pela qual a empresa (em geral são empresas) faz "engenharia fiscal" (outro nome para "enrolation") e acaba pagando bem menos do que deveria pagar se se aplicasse o princípio básico segundo o qual paga mais (impostos) quem mais ganha.
No fundo, a "enrolation" é a mais recente versão para "levar vantagem em tudo", outro propaganda célebre de uns 20 anos atrás ou pouco mais. O tempo passa, mudam os governos, mas não muda a "enrolation" (deles e de uma fatia ponderável da sociedade, não sejamos complacentes).
Brasileiro pratica "enrolation" não apenas com o inglês, que é de fato mais difícil de aprender. Até no espanhol o falso malandro acha que pedindo uma "Cueca-Cuela" já é candidato a uma vaga na Real Academia Española.
E assim vamos vivendo, enrolando a nós mesmos.
folha de s paulo

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