"Um espectro ronda a Europa." Cabe parafrasear o início do Manifesto
Comunista de Karl Marx, de 1848. Só que, desta feita, não é o espectro
do comunismo ? como ele vaticinava ?, mas o do capitalismo financeiro
em desordem e desgovernado, que ronda a Europa e o mundo todo, e com
tudo o que se pode qualificar de mais selvagem, na opinião de muitos
críticos modernos.
Uma senhora aposentada, de cabelos brancos, entra no elevador do
prédio onde mora o jornalista, empurrando seu carrinho de feira, e
indaga com o semblante preocupado: "O que o senhor acha que vai
acontecer? Essa situação da Grécia vai prejudicar o Brasil e bater no
nosso bolso?"
Tudo indica, pelas conversas de rua, que o noticiário sobre o que
acontece com a Grécia, na Grécia e na Europa em geral, já "não é
grego" para o entendimento do brasileiro comum. Até pouco tempo atrás
era raro o cidadão ou a cidadã, no Brasil, se inquietar com o que se
passava em paragens distantes no mundo das altas finanças
internacionais. Nós vivemos "tão apertadas" ? diria a dona de casa nas
TVs ? com coisas miúdas como o preço do feijão e da cesta básica (que
aliás teve bom aumento em abril), que não podemos perder tempo para
tomar conhecimento dessas confusões de gente rica ? é melhor que eles
mesmos se entendam...
Não é essa a reação que mais se podia esperar do comum dos brasileiros?
Parece que não é mais tão assim. O fantasma que ronda a Europa começou
a rondar também o espírito de boa parte dos brasileiros, devido,
pensamos nós, à lição oferecida pela recente crise que começou com os
créditos imobiliários podres nos Estados Unidos e se espalhou pelo
mundo. Os brasileiros, embora menos afetados, sentiram que o Brasil
não esteve tão "blindado" nem escapou tão ileso daquela crise ? como
gostam de proclamar os porta-vozes do governo e os fâmulos do
presidente Lula, tentando incutir na cabeça do povo que foi graças a
eles e aos seus iluminados tirocínios que o País passou incólume (sic)
pelo vendaval. O povo percebeu, no entanto, que houve queda da
produção, do PIB, do emprego, da renda, etc. ? mesmo que, a bem da
verdade, a recuperação tenha sido rápida.
Mas ficou a lição. E por isso os acontecimentos na Grécia não estão
sendo olhados com a indiferença popular que se costumava constatar.
E é oportuna essa nova atitude de alerta, até para evitar que Lula se
refugie no seu habitual otimismo galopante e saia a falar de novo em
"marolinha".
O clima de alarma e quase pânico que varreu a Europa na semana
passada, a pancadaria e as mortes nas ruas de Atenas e os protestos e
passeatas na Alemanha, França, Espanha e Portugal abriram caminho para
todo tipo de menções relacionadas com a rica epopeia grega. Presente
de grego, olimpíada do calote, cavalo de Troia, etc.
Uma delas me chamou a atenção: "A Ágora assalta a Acrópole" ? imagem
chique das manifestações em Atenas contra o FMI e os financistas
europeus e que levaria Marx a escrever: "Esbulhados de todo o mundo,
uni-vos!", uma vez que, de fato, os esbulhados de todo o mundo
deveriam se unir para pôr fim à farra desse financismo virtual que
circula pelo planeta com a velocidade da luz graças à internet. Em
busca do quê? Rigorosamente, de nada, pois apenas procura o maior
lucro possível nas próximas 24 horas, e só! Dinheiro correndo atrás de
dinheiro.
Esse jogo improdutivo sempre existiu, seja dito. Mas hoje, além de
avassalador, não é apenas improdutivo, mas também destrutivo, como se
viu na crise de três anos atrás e como se verá nesta. O capital
produtivo, que constroi empresas, empregos progresso cultural e
riquezas, de fato se vê deslocado e esmagado pelo tsunami diário de
uma especulação que, aparentemente, os bancos centrais e os governos
não conseguem controlar ? admitindo que queiram de fato controlá-la.
A crise da Grécia não é só dela, já se disse. É da Europa toda, do
euro, da administração dessa moeda inadministrável, como mostrou
objetivamente o artigo Mais Europa, e não menos, do nosso colunista
Celso Ming, na quinta-feira passada. E do sistema financeiro mundial.
O desgoverno financeiro é o motor de partida de crises, como foi na
dos Estados Unidos, com a incúria de um Fed otimista demais e leniente
demais com a alta finança. Ou na da Grécia, com a incúria de políticas
fiscal e monetária demagógicas. Crises previsíveis pelos economistas
que pensam com autonomia e, de fato, previstas. Mas nenhuma medida
acauteladora foi tomada.
Como no Brasil, agora, pois até a Ata do Copom (governista) já fala em
"deterioração do cenário prospectivo". A crise do subprime nos pegou
com divisas em alta, balança comercial em alta, transações correntes
superavitárias, inflação aquietada, demanda em crescimento sustentável
e contas fiscais sob controle. Já agora isso tudo está com sinal
trocado. E é nesse cenário desfavorável que a crise da União Europeia
(UE) pode nos pegar.
Não obstante, todo mundo no governo só tem olhos na nuca para ver a
boa velocidade que a economia vinha desenvolvendo até agora, sem
querer saber da pirambeira pela frente.
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, maio 10, 2010
MARCO ANTONIO ROCHA Da pirambeira à frente, o governo nem quer saber...
O Estado de S. Paulo - 10/05/2010
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