Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 10, 2008

Tempos excepcionais Folha de S.Paulo EDITORIAL

Com multinacionais gigantescas em apuros, governos passam a atuar no papel de acionista em última instância

A LIQUIDAÇÃO violenta nos mercados de ações prosseguiu ontem, apesar de todo o arsenal de medidas anunciadas e implementadas pelos governos na tentativa de detê-la. O índice Dow Jones, de Nova York, mergulhou 7,6% e voltou ao patamar do início de 2003. É como se todo o notável ciclo de expansão vivido pela economia dos EUA desde então tivesse virado pó aos olhos da principal Bolsa do planeta.
A venda alucinada de ações, que ocorria com mais vigor nas companhias do setor financeiro, agora atinge gigantes do setor produtivo americano, como a Exxon e a General Motors. A rápida desvalorização do petróleo, cuja cotação já se aproxima do índice mais baixo em 12 meses, explica a queda das companhias energéticas -as quais acumularam, até o primeiro semestre deste ano, alguns dos maiores lucros da história.
A debilidade do mercado de automóveis nos EUA, abatido pela escassez de crédito e pelo desalento do consumo, contudo, jamais poderia justificar a queda de 87,5%, em um ano, nas ações da segunda maior montadora do mundo. A cotação da empresa desceu ontem ao valor mais baixo desde a década de 1950.
General Motors e General Electric são multinacionais centenárias, que se confundem com a história do capitalismo nos EUA. O grau de dificuldade que enfrentam agora para sobrenadar é um exemplo cabal dos danos que um setor financeiro deixado à própria sorte pode causar ao coração do sistema produtivo.
Quando for escrita a história desta crise, serão estabelecidas as fronteiras cruzadas pelos governos na tentativa de deter a derrocada. Se o papel do BC como emprestador de recursos em última instância ao sistema bancário foi absorvido, a duras penas, na década de 1930, agora está prestes a descortinar-se a ação do Tesouro como acionista em última instância. No momento em que todos fogem das corporações, até das maiores, o governo entra a fim de evitar o colapso.
A seu modo, os planos e as atitudes dos governos vão convergindo nessa direção. Compras maciças de ações de instituições financeiras com dinheiro público estão a caminho nos EUA, no Reino Unido, na Espanha -e serão copiadas por outros países. É possível, senão provável, que a estratégia venha a ser estendida para abarcar empresas produtivas, fora da alçada financeira.
São tempos excepcionais para a economia mundial. A situação, mais que justificar, obriga os governos a romper tabus em caráter emergencial e transitório. O Brasil reconheceu, parcialmente, essa excepcionalidade. O BC age com desenvoltura para injetar recursos que escasseiam entre os bancos e nos negócios com o câmbio. Uma medida provisória já autorizou a autarquia a comprar carteiras de crédito de instituições em dificuldade.
É uma pena, porém, que ainda subsistam argumentos, da parte do BC, a favor da manutenção de uma política de juros isolada, e restritiva, num momento de grave e progressiva desagregação da confiança nos negócios, fenômeno que não tem poupado o Brasil.

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