Com seu comportamento furtivo, o governo apenas conseguiu evitar um debate aberto sobre a MP em preparação. Não conseguiu, com isso, nenhuma vantagem. Ao contrário: alertou os políticos, os participantes do mercado financeiro e todos os demais interessados para que examinem com o máximo cuidado e o mínimo de confiança as inovações propostas no documento, além de investigar, é claro, as motivações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus auxiliares. Também agravou a inquietação no mercado, assolado ontem por boatos e ações especulativas.
Para prevenir danos irreversíveis, os parlamentares devem começar com a máxima urgência o exame crítico da MP e apressar sua votação. As motivações de fato, não explicitadas no texto, são fundamentais para a avaliação da proposta. Há instituições em perigo - talvez bancos pequenos ou médios? O discurso do governo sobre a solidez do sistema será exagerado? Que instituições poderão estar em grave dificuldade - talvez fundos de previdência ligados a estatais? Qualquer pergunta é pertinente.
Os parlamentares deverão investigar, com muito cuidado, por que se decidiu dispensar de licitação a venda de participação acionária em instituições financeiras públicas. Pode ser para facilitar o socorro a alguma instituição encalacrada. Ou pode ser para simplificar uma operação de outro tipo, como, por exemplo, a venda do banco paulista Nossa Caixa ao Banco do Brasil - e, de fato, o vice-presidente de Finanças do BB, Aldo Luiz Mendes, afirmou que, nesse caso específico, "a MP reduz o desafio de encontrar uma forma de pagamento em 50%". No mínimo, seria uma forma de evitar o aborrecimento de uma contestação judicial.
Da forma como está redigida, a MP 443 pode servir a propósitos muito diferentes. Pode facilitar o socorro oficial ao setor financeiro numa situação de perigo. Nesse caso, o BB e a Caixa estariam equipados para realizar intervenções semelhantes àquelas programadas pelas autoridades financeiras americanas e européias. Poderiam, portanto, realizar a tarefa nobre de preservar o razoável funcionamento do mercado num momento de perigo. Mas a MP pode servir, também, para ampliar a participação da União no mercado financeiro por meio da aquisição de bancos.
Convém, portanto, que os parlamentares, se estiverem dispostos a aprovar a MP 443, acrescentem a seu texto cláusulas de segurança, como, por exemplo, a obrigação dos bancos oficiais de revender as ações compradas e prazos para a retenção desses ativos. Também será preciso analisar com o máximo cuidado a criação da Caixa - Banco de Investimentos S. A., proposta no mesmo documento. Se for, como admitiu o ministro da Fazenda, um instrumento de capitalização de construtoras, será preciso pensar nas condições em que esse tipo de intervenção será aceitável. É preciso evitar o risco de simplesmente socializar perdas causadas por atos empresariais mal calculados.
A MP também autoriza o BC a realizar operações de swap de moedas com instituições similares de outros países, nos limites e condições fixados pelo Conselho Monetário Nacional. É um estranho dispositivo. Operações desse tipo foram realizadas entre os bancos centrais dos EUA e da Europa, em situações em que era preciso, com urgência, dar liquidez a bancos de dimensão internacional. O Brasil não vive nenhum problema semelhante e não precisa de operações de swap que envolvam reais e dólares - não, pelo menos, por motivos conhecidos pelo público. O governo deve uma explicação convincente à sociedade.