De todo modo, o partido e a candidata tinham duas semanas para administrar a desvantagem da melhor maneira possível e tentar sair da disputa, senão com uma vitória quantitativa, ao menos com seu capital político razoavelmente preservado no maior colégio eleitoral do País para enfrentar a dura luta pela sucessão de Lula.
Os primeiros acordes da campanha dessa última fase deram a impressão de que os petistas faziam uma aposta arriscada no discurso ideológico, quando meio ministério desembarcou em São Paulo atacando o adversário na linha esquerda contra direita. Uma coisa meio antiga, incongruente frente às parcerias do PT no exercício do poder federal, mas uma tentativa até compreensível, pois fora adotada e bem-sucedida na reeleição de Lula em 2006.
Mas o segundo movimento da orquestra petista mostrou muito mais que isso: relevou um partido disposto a contratar uma derrota moral. Diante da dificuldade de ganhar, escolheu pôr tudo a perder, gastando até a última o patrimônio de dignidade construído na oposição e paulatinamente solapado em seis anos de poder.
Marta Suplicy e aliados se defendem da repercussão negativa às peças de propaganda que insinuam a existência de fatos obscuros na conduta do prefeito Gilberto Kassab, lembrando que ela e o partido já foram vítimas das mesmas armas em eleições passadas.
Que o PT perdeu de vez a tramontana na presente disputa, isso ficou claro no domingo quando entrou no ar a propaganda com perguntas - "é casado?" "tem filhos?" - cheias de múltiplos sentidos.
O surpreendente, e ainda carente de explicação sob o ponto de vista do marketing político, é o partido não enxergar o potencial de autodesmoralização contido nesse tipo de estratagema.
Ainda que fosse só um revide a agressões sofridas no passado já seria injustificável. Não sendo, pior ainda. Se o PT refere-se ao uso de depoimento da mãe da filha do então candidato Lula na campanha de 1989 pelo adversário Fernando Collor e ao repúdio de parte do eleitorado ao novo casamento de Marta com Luis Favre, em 2003, equivoca-se na comparação dos episódios.
Há duas décadas, Miriam Cordeiro foi usada e deixou-se usar de forma abjeta, mas clara. Recebeu um dinheiro para expor a si, filha e ao ex-companheiro diante do País revelando com todas as letras particularidades da relação. Na época, não se perdeu tempo questionando se verdadeiro ou falso o conteúdo da fala. Chocou para registro em história, o uso da arma, um retrato da vilania do autor.
Quanto à separação de Marta do senador Eduardo Suplicy, não resta dúvida: marcou para todo o sempre suas relações com o eleitorado. Mas foi uma escolha da então prefeita, que obviamente exerceu seu inalienável direito de casar e descasar com quem quiser, quantas vezes bem entender. Só não pode subtrair das pessoas o direito de gostar ou não.
Aqui, no caso de Gilberto Kassab não se trata de uma ação exposta por ele ao juízo público. Aliás, nem se trata de uma questão, como no episódio arquitetado por Fernando Collor. A campanha petista agora recorreu à pior das torpezas que é a insinuação.
Alega que o eleitor precisa conhecer o candidato. É verdade. Então, se o sentido era o esclarecer, caberia à campanha petista falar claro, como fez Collor em sua sordidez e Marta ao não submeter sua felicidade às estruturas morais do alheio.
A propaganda não informa qual o dado da vida do prefeito está sendo subtraído do eleitor. Pergunta se tem filhos ou se é casado apenas para levantar a suspeita de que um homem solteiro aos quarenta e tantos anos talvez seja homossexual.
É disso que se trata. Marta finge que não sabe a respeito do que fala sua campanha porque a posição preconceituosa e enrustida não cabe bem em quem fez a vida militando do lado oposto.
Este, em tese, seria seu álibi para negar a mensagem subjacente. Na prática, porém, a intenção está lá exposta em toda a sua dimensão. Mais não fosse, porque Kassab já era solteiro quando não tinha mais que um dígito nas pesquisas, mas isso só passou a ser uma insinuação de possível "defeito" quando a ultrapassagem fez o PT perder, junto com as esperanças, as estribeiras.
Dura realidade
O tom agressivo das campanhas do segundo turno não é uma prerrogativa do PT paulista. Toma conta do cenário no Rio e dá sinais de vida também em Salvador.
Com isso, os marqueteiros revogam a própria lei-maior, segundo a qual os ataques, quanto mais baixos, mais malefícios rendem ao autor. Agora, quando bate o desespero, está se vendo como tudo na vida é relativo, até a paz e o amor.