Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 07, 2008

Corredor ecológico Xico Graziano

Matas ciliares são aquelas que protegem os corpos d?água, mantendo a biodiversidade ao longo dos córregos. No passado foram dizimadas, agora começam a ser recuperadas. A beira d?água espelha a maior das prioridades na agenda ambiental da agricultura. O verde protege o azul.

Essas áreas de vegetação nativa à beira de rios cumprem função relevante ao impedirem o assoreamento das represas e dos reservatórios, causado pela erosão do solo a seu montante. Daí advém seu nome. Assim como os cílios protegem os olhos, impedindo que a poeira os macule, as matas ciliares abrigam os mananciais e seu berço, as benditas nascentes d?água. Formam um acolchoado vegetal.

Na abertura das fronteiras agrícolas do Sudeste, processo que remonta à economia cafeeira do século 19, o desmatamento aniquilava, inicialmente, as áreas próximas dos rios. Ali a matéria orgânica e a umidade garantiam as melhores colheitas. Fertilizantes químicos inexistiam naquela época.

Na verdade, a ocupação das áreas úmidas das baixadas caracteriza a regra histórica da atividade agrícola. Nas várzeas dos Rios Tigre e Eufrates, ricas de depósitos orgânicos, nasceu a agricultura da antiga Mesopotâmia, origem da civilização humana. Sem o delta do Nilo e suas regulares enchentes inexistiria o velho Egito. O vale do Rio Olantaytambo, fundamental para os incas, era considerado sagrado.

Na Europa, sempre a produção rural se instalou nos vales, fugindo das escarpadas montanhas. Do Velho Continente trouxeram os primeiros agricultores brasileiros a experiência da lavra. Nada estranha, portanto, olhando para trás, que os pioneiros do campo tenham suprimido as matas ciliares por aqui. Nos anos 70, o mais vistoso programa do Ministério da Agricultura se chamava Pró-Várzea. Recursos, fortemente subsidiados, eram direcionados para drenar áreas palustres, seguindo o modelo europeu de agricultura. Cultura rural.

Havia, ainda, outra questão, própria dos trópicos. Nas margens dos rios morava o mosquito da terrível malária. Especialmente nos Estados de São Paulo e do Paraná, naquelas epopéias agrícolas, derrubar as matas ciliares pertencia ao receituário médico dos desbravadores do sertão. Com a febre da maleita a tremer o corpo, ninguém enfrentava a dureza da terra.

O estrago ambiental assim realizado apenas no presente se aquilata. Naquele tempo inexistia qualquer preocupação ecológica. Esta moderna agenda chega com o Código Florestal, em 1965, ganhando destaque somente na década de 1980. Em São Paulo, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente surgiu em 1986. Ecologia era assunto de sonhador.

Para os agricultores, aquilo que nas gerações passadas significava um grande ativo de produção se transformou num pesado passivo ambiental. Porque, agora, a lei exige a preservação integral das áreas lindeiras aos corpos d?água, numa faixa mínima de 30 metros. A vantagem virou problema. Rios poluídos, assoreados, exigem a devolução de suas matas ciliares. Reparar o dano ecológico para reviver.

Tarefa difícil, mas realizável. O governo paulista estima recuperar, até 2025, uma área de 1,7 milhão de hectares de matas ciliares. Cumprida, essa meta da política ambiental permitiria manter, somados os remanescentes florestais existentes, 20% do território coberto com vegetação natural. Hoje mostra 14%.

A Secretaria Estadual do Meio Ambiente divulgou, nestes dias, que já contabiliza 240 mil hectares em seu cadastro de recuperação florestal, dentro do projeto estratégico Mata Ciliar. O número ultrapassa em 78% a meta anual do programa, mostrando boa adesão dos agricultores à proposta de formação dos corredores ecológicos. Fato inédito na história da conservação florestal do País.

A importância da recuperação das matas ciliares pode ser mais bem aquilatada quando se considera o outro lado da moeda. Até agosto deste ano, o governo estadual autorizou a supressão de 952 hectares de vegetação nativa, destinados a diversas atividades, incluindo agricultura, obras públicas e loteamentos. A grande maioria da área suprimida se enquadra na categoria de "capoeiras", pouco complexa em termos de biodiversidade. O desmatamento propriamente dito afrontou tão-somente 28,5 hectares. Menos mal.

Existe, porém, o desmatamento ilegal. A Polícia Ambiental do Estado averiguou crimes que, somados em 2008, representam 1.002 hectares de vegetação nativa abatida. Somadas a supressão de vegetação autorizada mais a ilegal, percebe-se que, em São Paulo, para cada hectare surrupiado existem 123 hectares em recuperação florestal. Página virada no desmatamento.

É interessante apontar que, da área de mata ciliar cadastrada no Sistema Ambiental, 58% vêm do setor sucroalcooleiro. Isso é fruto do Protocolo Agroambiental, em que o setor sucroalcooleiro se compromete a eliminar a queimada da cana-de-açúcar e a promover a recuperação das matas ciliares em meio aos canaviais. Crescem as lavouras e, ao mesmo tempo, revigora-se a biodiversidade. Isso se chama, na prática, desenvolvimento sustentável.

Tudo indica que os agricultores entenderam o recado da sociedade. Falta, entretanto, a cidade melhorar sua lição de casa, retirando dos rios a carga poluente dos esgotos domésticos, verdadeiro veneno para a fauna aquática. De nada adianta a margem verde bordejar água morta e fétida.

Os novos prefeitos precisam agarrar essa tarefa com afinco. O governo ajudando, investindo na conscientização e na educação ambiental, pode-se vislumbrar essa agenda vencida, no interior paulista, até as próximas eleições municipais. O resultado será fantástico. Com mata ciliar e água limpa, o futuro terá reencontrado o passado. Sem malária.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br

Site: www.xicograziano.com.br

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