Nos EUA, o "giant sucking sound" (som de sucção gigante) costuma se referir à perda de empregos para o resto do mundo. Ross Perot, candidato à eleição presidencial americana de 1992, cunhou a expressão na sua investida contra o tratado de livre comércio dos EUA com o México (e Canadá). Depois, outros políticos a usaram temendo perdas de emprego para a Europa Oriental e, finalmente, para a China. Não ocorreram as temidas perdas de emprego nos EUA. Agora, essa expressão pode ser usada no sentido contrário. Quem estaria sugando o resto do mundo é o sistema financeiro nos EUA (e na Europa). Sugando capital e crédito, não empregos. E o resto do mundo está sentindo essa pressão.
Há pelo menos dois canais de transmissão da crise externa para o Brasil. O primeiro é o canal financeiro. A crise financeira internacional caracteriza-se por uma necessidade aguda de capital por parte das instituições financeiras que vendem ativos e restringem o crédito. A redução do crédito atinge clientes no mundo todo, sejam americanos, chineses ou brasileiros. A falta de crédito espalha-se pelo mundo. Por exemplo, no momento em que clientes brasileiros ficam sem crédito lá fora, recorrem aos bancos no Brasil, o que aumenta sobremaneira a necessidade de recursos e pressiona o mercado aqui dentro. O crédito doméstico fica escasso e consideravelmente mais caro. A falta de crédito também se espalha pelo receio de dias piores pela frente, questiona-se o grau de inadimplência adiante.
O leitor deve estar-se perguntando: para onde está indo todo esse dinheiro que se está retraindo? O que significa fazer caixa, recompor capital?
No limite, significa aplicar os recursos em ativos considerados seguros (baixíssimo risco de calote) e de alta liquidez (disponíveis imediatamente sem custo). Os investidores têm desconfiado cada vez mais dos bancos e de outras instituições financeiras. Resta investir nos governos, comprando seus títulos, que estão cada vez mais demandados e, conseqüentemente, mais caros (pagando juros cada vez menores). Paradoxal, para alguns (já que os EUA são o centro da crise), os títulos do governo americano têm sido considerados os mais seguros e o dólar se tem valorizando em relação às outras moedas do mundo.
Na medida em que o fluxo de recursos está indo em direção aos governos, estes têm tentado reciclá-los de volta ao sistema, na medida do possível. Os bancos centrais das economias desenvolvidas têm oferecido linhas de financiamento e empréstimos aos bancos. Os governos também têm resgatado instituições (como a seguradora AIG, nos EUA, e o Banco Fortis, na Europa) e aprovado pacotes de ajuda (como os U$ 700 bilhões dos EUA). Mas o aperto continua.
O segundo canal de transmissão da crise é via queda dos preços e volumes das exportações brasileiras. Nos últimos anos, com o bom momento da economia mundial, tanto o volume quanto os preços das nossas exportações subiram consideravelmente (os preços subiram 120% de janeiro de 2003 a julho 2008), gerando superávits comerciais, assim como as importações, permitindo um crescimento maior da economia, sem aumento da inflação. Agora, os preços das exportações (bem como os volumes) estão recuando, invertendo a direção dos efeitos acima.
Qual a conseqüência desta crise? O PIB mundial deve desacelerar significativamente, assim como o do Brasil. Economistas estimam - na medida do possível, dada a incerteza elevada, hoje - um crescimento médio em torno de 3%-3,5% para o ano que vem. Essa taxa poderia ser considerada moderada, mas não muito. Se o Brasil parar de crescer a partir de janeiro, a média do produto interno bruto (PIB) de 2009 ainda vai ser maior que a média de 2008 em 1,4% (o chamado "carry" do crescimento). Um crescimento de 3% em 2009 significa um crescimento marginal nesse ano em torno de apenas (ou será ainda?) 1,6%.
Qual deveria ser a reação de política econômica no Brasil? Deveríamos ter uma política anticíclica tentando substituir a falta de crédito externo pelo interno?
Na minha visão, nem tanto ao mar, que afunde todo mundo, nem tanto à terra, de forma a ignorar a necessidade do ajuste aos novos tempos. Por um lado, é fundamental assegurar o funcionamento dos mercados no Brasil, provendo liquidez quando há paralisia, evitando que haja uma parada brusca de crédito no País, que pode ter conseqüências mais acentuadas sobre a economia brasileira. Nesse sentido, o Banco Central tem lançado medidas como a redução de compulsórios, em casos específicos, e o leilão de linhas de financiamento em dólares. Por outro lado, uma intervenção maciça do governo, por meio dos bancos públicos, para tentar manter o crescimento nos níveis atuais (5,5%-6%), poderia ser ineficaz, apenas inflacionária (por exemplo, essa política pressionaria a conta corrente, num ambiente sem financiamento internacional adequado, e levaria à depreciação do câmbio).
Em suma, há um som de sucção no ar, o crédito está-se retraindo no mundo. O período de bonança na economia mundial rapidamente se esvaiu, assim como o período de opções fáceis. Decisões adequadas neste momento podem significar uma melhor travessia da crise e uma saída em posição internacional favorável no futuro.
Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio. E-mail: igoldfajn@cianoinvest.com.br