No dia das eleições, a esperança renasce para um carioca
Pego o avião e vou ao Rio votar. Lá embaixo, a cidade se amontoa em milhares de casebres como uma grande inflamação cor de tijolo subindo nos morros — uma casca de feiúra e tristeza encurralando a beleza natural do mar e o desenho sensual das montanhas. Lá está o verdadeiro Rio, a metástase crescente de um câncer original de descaso, anomalias populistas e economia precária, fragilizada depois do fim do Estado da Guanabara.
Penso: “Não tem solução... Que adianta votar em alguém diante deste labirinto?” Quem vai dar jeito nisso? — pergunta a manchete do GLOBO. Sei lá — a cidade está emperrada desde a teimosia da honrada burrice do Geisel, que disse na época: “Não consultei ninguém para acabar com o Estado da Guanabara; eu sabia que era bom”.
Pois não era, general. O senhor quebrou o Rio e nos fez engolir os vícios do atraso fluminense.
Militares têm a arrogância, o prazer sádico de fazer aquilo de que todos discordam. Assim, destruíram o Palácio Monroe por nada, criaram o imundo minhocão sobre o centro histórico do Rio na Praça Quinze, acabaram com as cachoeiras das Sete Quedas sem avisar ninguém, puseram as usinas nucleares poluentes e perigosas no paraíso de Angra dos Reis. Por isso, olhava o Rio lá embaixo com amargo desgosto.
Só que, a meu lado no avião, ia o economista Paulo Rabello de Castro, diretor do Instituto Atlântico, mais dedicado à busca de soluções do que à angústia dos problemas. Paulo tem fama de visionário para uns e de pragmático para outros. Eu o considero um mix: visionário do pragmatismo. Ensaio com ele um papo desesperançado de carioca típico, mas Paulo revida e dispara várias idéias animadoras, arquejante de fé, anulando meu sorriso desiludido que tanto nos consola, justificando a depressão e o chope. Paulo é rápido e inteligente, e fala em possibilidades para o Rio.
“O Rio tem saídas múltiplas” — anuncia Paulo, de dedo em riste, comendo o triste, escasso biscoito de goiabinha que a Gol oferece (será que o Nonô Constantino planta goiabais?) — “O Rio pode brilhar de novo....” E, pálido de esperança, me desfia soluções.
Seu programa (imaginário ou realista?) seria uma legislação especial que desse conta do vazio deixado pelo sumiço do Estado da Guanabara, talvez a criação aqui de uma Zona Franca Financeira, algo como Hong Kong. Nas favelas e outras periferias de “invasão”, a viabilização de títulos de propriedade aos moradores mudaria a mentalidade das favelas, com os novos e inúmeros proprietários que, defendendo seus bens, se sentindo mais cidadãos, resistiriam melhor a milícias e tráficos. O Rio já é por vocação, vide TV Globo e pólos de cinema, um centro de produção de arte e cultura, de entretenimento, design, moda. Por que não investir fortemente neste vértice? Nos fundos da cidade, em remotos subúrbios, poderia haver a criação de ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação). Com mão-de-obra abundante, isso possibilitaria condições reais de emprego e desenvolvimento. E a cidade da beleza, com o turismo imensamente incrementado? Quando Paulo falava, me bateu a certeza inapelável: o verdadeiro visionário enxerga o óbvio que ninguém vê. No caso do Rio (e em outros municípios), nosso labirinto “corruptoburocráticoindolente-incompetente-paralítico” é tão impenetrável que a melhor maneira de combatê-lo seria acoplar fatos e obras novas, inéditas, não testadas que reajam contra o sistema velho, criando oposições, alternativas e corroendo velhos hábitos. Uma ZPE nos fundos do Rio pode mudar uma região, econômica, cultural e psicologicamente. Só as coisas podem mudar as coisas.
Em São Paulo, por exemplo, Kassab fez o óbvio: sem ranços ideológicos, teve imaginação, limpou a cidade, civilizou centros decadentes e marginais. No Rio, se Gabeira for eleito, poderá colocar sua vivência de aventura e luta numa administração imaginosa, original, até em experiências público-privadas como foi o Museu do Futebol em SP.
Mas nada que seja parecido com os factóides catastróficos do ex-prefeito atual blogueiro Cesar Maia, que inviabilizou o projeto viário de Lúcio Costa para a Barra através do monstrengo da Cidade da Música, um transatlântico encalhado nos cruzamentos, além do custo astronômico, como apontou o especialista Hugo Hamann, outro dia no GLOBO.
Nesta nova fase política para Rio, São Paulo, Belo Horizonte, não dá mais para engolir os teóricos do impossível, os analistas críticos do labirinto sem solução. Um pensamento puramente quantitativo, lógico, não dá em nada, como os famosos apelos ao bom senso dos abraços na Lagoa de camisa branca. Não há como resolver por dentro a paralisia. Como limpar a banda podre da polícia? Como transformar a Câmara Municipal em templo de honestidade, como desburocratizar a cidade, como desfazer favelas e tráfico, como resolver a segurança? Quem faria esta grande mudança? Onde haverá tão gigantesca e utópica vontade política, onde arranjar os bilhões e os longos anos de reformas? Quem faria? Um superprefeito com superpoderes, um exército de burocratas arrependidos, uma súbita câmara de vereadores purificados, faxineiros do bem, pelotões de generosos e solidários, uma revolução? Não adianta. Não dá mais pé vermos de um lado os práticos homens do mal, dentro e fora da política, roubando e impedindo o progresso, e, do outro lado, os desesperançados teóricos da análise crítica lamentando impossibilidades.
Agora, que parece que o Rio de Janeiro vai se livrar de décadas de populistas e mentirosos, pode ser que entremos em nova era política e administrativa. As prefeituras têm de ser o lugar de experimentos imaginosos. Em vez de serem chocadeiras para deputados federais e senadores, as prefeituras têm de ser as células descentralizadas do “novo”, centros de experimentação de soluções maiores, células, sim, que podem regenerar as atrofias do sistema maior.
Estas coisas graves me surgiram enquanto Paulo falava com seu biscoito de goiabinha e me seguiram até a hora em que votei na maquininha democrática.
Entrevista:O Estado inteligente
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