Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 05, 2008

Soltem Beira-Mar e Marcola-Ruy Fabiano

blog Noblat 5/7

4h07m

Soltem Beira-Mar e Marcola

O episódio Ingrid Bettencourt expôs, mais uma vez, o comportamento ambíguo do governo brasileiro em relação às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). A suspeita que pesa sobre o governo e seu partido, o PT, é de simpatia à causa.

As Farcs, afinal, integram uma entidade política, o Fórum de São Paulo, criada pelo PT, na década de 90, ao tempo em que Lula o presidia. O objetivo do Fórum, declarado, é tornar o continente sul-americano socialista. Até aí, nada de mais – nada o impede.

O Fórum reúne-se periodicamente com os partidos-membros e simpatizantes para avaliar estratégias e táticas que favoreçam o ideal que o gerou. Lula, que disse mais de uma vez que nunca foi de esquerda – e outras tantas que é -, divide com Fidel Castro as honras de fundador e personagem mais ilustre do Fórum.

Hugo Chavez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) são outras figuras ilustres a integrá-lo. Nele, debatem-se as conjunturas dos governos do continente: impasses, soluções, ações e reações, de acordo com uma visão estratégica que se afine ao objetivo que o inspira.

As Farcs, apesar de seu perfil criminoso, sempre foram recebidas como grupo político legítimo no âmbito do Fórum, participando intensamente dos debates. O PT diz que as relações das Farcs com o Fórum foram rompidas depois que abandonaram, a partir de 2002, as negociações para um acordo de paz na Colômbia e enveredaram pelo caminho dos seqüestros e do narcotráfico.

O governo Lula diz jamais ter tido qualquer tipo de contato com as Farcs, classificadas como terroristas pelos governos da Colômbia, dos Estados Unidos e da União Européia. Mas recusa-se a classificá-las como tal. Consideram-nas um grupo insurgente. Nada mais.

Há aí algumas observações. Não foi a partir de 2002 que as Farcs optaram pelo caminho da criminalidade. Naquele ano, seqüestraram Ingrid Bettencourt, mas antes, bem antes, já haviam seqüestrado – e mantinham em cativeiro - centenas de outras pessoas, alheias à luta política, com o objetivo de cobrar resgate.

A prática das Farcs é essencialmente criminosa. Suas fontes de renda, segundo a Unidade de Informações e Análises Financeiras (UIAF), do Ministério do Interior da Colômbia, são basicamente três.

A primeira é a extorsão mediante seqüestro. Essa atividade criminosa rende-lhe anualmente US$ 37,32 milhões. A segunda fonte é o furto de gado, estimado em US$ 22,19 milhões anuais.

As drogas ilícitas (cocaína, heroína) representam a terceira fonte de arrecadação. Rendem US$ 11,59 milhões e têm duas subvertentes: taxa revolucionária e participação na comercialização. A taxa revolucionária é paga pela produção de folhas de coca (matéria-prima para a elaboração do cloridrato de cocaína) em áreas controladas pela guerrilha.

A comercialização direta do cloridrato de cocaína, cuja clientela são os cartéis de refino, rende a bagatela de US$ 3,01 milhões. Anualmente, os produtores colombianos ofertam ao mercado mundial de 500 a 250 toneladas de cocaína. Calcula-se que cerca de 80% da cocaína que circula no planeta é de procedência colombiana. As Farcs tornaram-se estratégicas nesse processo.

Somadas suas três fontes de receita, o faturamento bruto anual, é de US$ 77,16 milhões. Os gastos com alimentação, uniformes, armas e munições, segundo a mesma UIAF, ficam em US$ 35,63 milhões. Ou seja, sobram-lhes US$ 41,53 milhões. Empreendimento, sem dúvida, dos mais rentáveis.

No Brasil, são notórias as ligações das Farcs com organizações criminosas (Comando Vermelho, PCC), às quais treinam e vendem armas e drogas. Um de seus interlocutores mais assíduos era Fernandinho Beira-Mar, que está preso.

Nada disso, porém, constrangeu a presença de gente das Farcs no Fórum de São Paulo. O desligamento formal não impediu que representantes daquela milícia se fizessem presentes. Na reunião deste ano, no Uruguai, havia um representante seu.

Há dois anos, a pedido da ministra Dilma Roussef, foi requisitada para cargo de confiança na Secretaria Especial da Aqüicultura e Pesca, com ônus para a Casa Civil, a professora Angela Maria Slongo, funcionária do estado do Paraná. Vem a ser esposa de Olivério Medina, que na ocasião estava preso no Brasil, acusado pelo governo da Colômbia de ser um dos dirigentes das Farcs.

Confrontando esses dados com a nota do governo brasileiro saudando o resgate de Ingrid Bettencourt - e, sobretudo a do PT, que pede, como desdobramento, uma "negociação que permita a inserção dos guerrilheiros e de seus simpatizantes na vida pública" -, o resultado não é tranqüilo.

Quer dizer que, na seqüência do desmantelamento de um crime, deve-se, em vez de aplicar a lei, "negociar" a inserção dos criminosos no ambiente político, como se legítimos representantes de uma causa decente? Nesse caso, o que fazem presos Fernandinho Beira-Mar e Marcola? Vamos soltá-los.


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