O gênio do mal
No Brasil, não há um só negócio esquisito, à beira da ilicitude (quando não totalmente ilícito), que envolva milhões de reais, que não tenha as impressões digitais do banqueiro Daniel Dantas.
Aliás, é só ver a coleção de acusações da Polícia Federal contra ele: formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, espionagem.
É quase meio Código Penal.
A investigação teve início durante o escândalo do mensalão. À época, falou-se muito que Daniel Dantas era um dos financiadores privados do valerioduto, aquelas contas bancárias de Marcos Valério que jorraram dinheiro para os parlamentares da base aliada, para advogados, para marqueteiros etc. etc. etc.
E qual o interesse de Daniel Dantas? Manter o controle da Brasil Telecom.
(Não sou repórter investigativa nem acompanhei os mínimos detalhes do caso.
A reportagem de Bob Fernandes, no site Terramagazine, é impecável e altamente esclarecedora. Vale a pena ler)
Mas havia uma disputa de poder dentro do Palácio do Planalto, a respeito da Brasil Telecom. O então ministro-chefe da Secom, Luiz Gushiken, defenderia os interesses dos fundos de pensão (Previ e Petros) na sociedade, enquanto o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, defenderia os interesses de Daniel Dantas.
Daí as generosas contribuições do banqueiro ao valerioduto.
A CPI dos Correios encontrou as pegadas de Daniel Dantas no escândalo do mensalão. Mas não tinha meios para ir mais fundo na investigação. Entregou todos os documentos à Polícia Federal, que tratou de desenrolar esse novelo.
O primeiro inquérito desdobrou-se em outros, num trabalho paciente, discreto e acurado, que resultou nas prisões de hoje.
Daniel Dantas é homem poderoso. Dizem que tem uma bancada na Câmara e outra no Senado, compostas ambas de parlamentares de vários partidos, de direita, de centro e de esquerda.
Mas o poder de Daniel Dantas vem de antes, lá de trás. Quem o "inventou" foi o falecido senador Antonio Carlos Magalhães – Dantas é baiano.
Quando Fernando Collor estava compondo seu ministério, Daniel Dantas foi convidado para ser o superministro da Economia – Zélia Cardoso de Mello foi a terceira ou quarta opção. Recusou, talvez porque poderia estar próximo do poder sem precisar passar pelo desgaste público de uma pasta ministerial.
Assim, relacionou-se com todos os governos e todos os partidos.
Quando se desenhou o processo de privatização nos anos 90 – governos Collor, Itamar e Fernando Henrique – lá estava Daniel Dantas, sempre em próximo do poder, obtendo inside information, participando em situação privilegiada.
Jamais deixou de manter contatos próximos e privilegiados com o poder – qualquer poder.
Por isso mesmo, sua prisão e a apreensão de alguns computadores devem tirar o sono de muita gente graúda. Deste e de outros governos.
Bem feito!
A Polícia Federal está de parabéns. Mais uma investigação bem feita, cuidadosa, leva à identificação dos suspeitos.
Mas fica sempre um gosto amargo: a sensação de que no Brasil e polícia prende... e a justiça solta.
Começam agora as manobras protelatórias, os "embargos de instrumento", os pedidos de anulação do processo, em suma todo o rosário de recursos que fazem com que, no Brasil, quem tem bom advogado nunca vai para a cadeia.
Um advogado competente leva um caso desses até o Supremo Tribunal Federal.
E aí, os crimes prescrevem.
Mas, parafraseando o senador Jarbas Vasconcelos, "safadeza não prescreve".