Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 08, 2008

Suely Caldas* Trapalhadas na Varig

O caso da compra da Varig pela VarigLog é mais uma prova de que a intervenção do governo em agências reguladoras costuma ser prejudicial, nociva e desastrosa, seja qual for o objetivo perseguido ou a justificativa alegada. Por enquanto o dano só atingiu os personagens da história - num primeiro momento, os ex-diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), punidos com a demissão em agosto do ano passado, e agora a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por eles acusada de exercer pressão política para apressar a aprovação da venda. Mas, se a Justiça levar ao pé da letra a exigência ao cumprimento da lei, as duas operações de venda da Varig podem vir a ser anuladas - a primeira, para a VarigLog, por US$ 24 milhões; a segunda, desta para a Gol, por US$ 320 milhões.

Veja, leitor, o tamanho da encrenca, que poderia muito bem ter sido evitada, se o governo não entrasse em cena, não interferisse, deixasse as instituições funcionarem com autonomia, seguindo as normas da lei. Três ex-diretores da Anac - Denise Abreu, Leur Lomanto e Jorge Velozo - acusam a ministra Dilma Rousseff de tê-los pressionado a aprovar a toque de caixa a venda da VarigLog para a Aero LB-Volo (do fundo norte-americano Matlin Patterson), em 23 de junho de 2006, a tempo de participar do leilão da Varig que se realizaria menos de um mês depois, em 20 de julho de 2006. Jogo de cartas marcadas, a VarigLog arrematou a Varig nesse leilão por US$ 24 milhões, mas violando o Código Brasileiro de Aeronáutica, que proíbe empresas estrangeiras - no caso o fundo Matlin Patterson - de deterem mais de 20% das ações de empresas aéreas.

Quem acompanhou o imbróglio Varig, na época, sempre desconfiou de que os três sócios brasileiros da VarigLog eram "laranjas" e o verdadeiro proprietário era mesmo o fundo norte-americano. Mas agora o juiz José Paulo Magano, da 17ª Vara de São Paulo, que julga a dissolução societária da empresa, tratou de dar certeza, ao revelar que os três só "emprestaram seus nomes". Na seqüência à ação do juiz, a nova presidente da Anac, Solange Vieira, deu prazo de 30 dias para a VarigLog se enquadrar à lei, ser vendida ou reduzir sua participação acionária para 20%. Do contrário terá sua concessão cassada. Para complicar ainda mais a vida do governo na história, o advogado que defende os interesses da VarigLog é Roberto Teixeira, amigo e compadre do presidente Lula, envolvido com outros negócios suspeitos ligados ao governo e ao PT e dono de um apartamento onde Lula morou de graça durante nove anos, em São Bernardo. A influência de Teixeira teve a força de aprovar uma operação ilegal, mas ele complicou muito a vida do amigo.

Se no processo que conduz o juiz Magano decretar a ilegalidade da venda da VarigLog e determinar sua anulação, todas as ações posteriores seguirão o mesmo caminho e as duas operações de venda da Varig, primeiro para a VarigLog e depois para a Gol, correm o risco de ser invalidadas. E há outro complicador mais grave que precisa ser explicado: a VarigLog, do fundo Matlin Patterson, comprou a Varig por US$ 24 milhões em 20 de julho de 2006 e, meses depois, a revendeu para a Gol por US$ 320 milhões, preço 13 vezes maior.

Tudo isso poderia ter sido evitado se o governo Lula não interferisse e cumprisse outra lei - a que confere autonomia às agências reguladoras. Mas, depois de mais de cinco anos de gestão, Lula ainda não aprendeu o sentido da autonomia, continua pensando como no primeiro dia em que chegou ao Palácio do Planalto, em 2003, e se disse surpreso porque "terceirizaram o governo", referindo-se às agências.

"Lei só existe para este governo quando atende aos seus interesses", afirma o advogado Alfredo Ruy Barbosa, especialista em Direito Regulatório. Ele observa que no mundo inteiro agências reguladoras atuam de forma independente, sem ingerência dos governos, porque elas operam para o Estado, com o olhar voltado para o médio e o longo prazos, enquanto os governos têm interesses imediatos de seus quatro anos de mandato. "Para o cidadão que usa serviços públicos, é fundamental que o órgão responsável pela fiscalização e concepção de regras de regulação aja com garantia de independência, sem interferência de demandas políticas dos governos", afirma.

No caso da Varig, o governo autoritariamente decidiu agir - acima da lei, acima das instituições. Atrapalhou-se, seguiu o caminho errado e se meteu numa enrascada difícil. E agora? Como sair do buraco que ele próprio cavou?

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