Fundo soberano: continua ruim
Depois dos vaivéns da proposta, fala-se agora na criação de um fundo fiscal para complementar os esforços de combate às recentes pressões inflacionárias. Admite-se que a preservação do nome fundo soberano seria uma forma de salvar a face. O ministro teria sido voto vencido na infeliz idéia.
Não se precisa estudar muito para saber que o Brasil não reúne as condições para criar o fundo soberano, que é característico de países com superávit estrutural em conta corrente do balanço de pagamentos, superávit nominal no setor público e/ou a prevalência de uma commodity em suas exportações (caso típico do petróleo).
Fundos soberanos são criados por governos para adquirir ações e títulos de renda fixa nos mercados de capitais de outros países, com foco na rentabilidade. Alguns, por razões estratégicas, compram posições relevantes em certas empresas.
Criar um fundo fiscal com o superávit primário não faz sentido. Menos ainda chamá-lo de fundo soberano. Tampouco se pode falar em poupança quando há déficit nominal no setor público (o superávit do primeiro quadrimestre não é permanente). Como o governo continua a se endividar, seria o mesmo que tomar empréstimo para aplicar em caderneta de poupança.
Exemplos de fundos são o Fundeb (educação), o Fat (amparo ao trabalhador), o FNE (Nordeste) e outros. Esses fundos desembolsam recursos para gastos com ensino fundamental e médio, aplicações de interesse dos trabalhadores e desenvolvimento do Nordeste, respectivamente.
Se o fundo soberano for criado, seus recursos serão aplicados em alguma finalidade, anulando a elevação do superávit, independentemente do tipo de aplicação. Em termos técnicos, considera-se despesa pública qualquer desembolso orçamentário. Só haverá maior superávit primário se ocorrer redução de despesas ou a não-utilização de excessos de arrecadação.
Admitamos que o fundo seja anticíclico, como anunciou o ministro (economizar hoje para os tempos de vacas magras). Mesmo assim, não seria preciso criar o fundo soberano. Se o objetivo for recomprar títulos de Tesouro, o certo é não gastar o equivalente a 0,5% do PIB. A elevação do superávit evitará automaticamente o aumento da dívida pública ou permitirá sua redução. Além de contribuir para o combate à inflação, a medida melhorará a percepção de risco do País. Simples, direto, eficaz.
Acontece que o governo quer complicar. Daí a idéia do fundo soberano. Comenta-se que o fundo comprará papéis do BNDES no exterior e ajudará empresas brasileiras que atuam em outros países, ou seja, aplicará os recursos (neutralizando o superávit) em ativos brasileiros, muitos dos quais não serão negociáveis nos mercados. Serão desprezadas comezinhas regras de diversificação de ativos e de atenção mínima à liquidez.
É obscura a idéia de "ajudar" empresas nacionais no exterior. O Brasil já se deu mal em tentativa semelhante. Nos anos 1970 e 1980, decidiu-se impulsionar atividades supostamente de interesse nacional na África e na América Latina. Concedemos crédito para que os países adquirissem bens e serviços de nossas trading companies e empresas de construção civil. A maioria resultou em renegociações ou em puro e simples perdão. Se for para repetir a experiência, os recursos terão usos melhores por aqui.
Se o fundo servir para a Fazenda comprar dólares e assumir as funções do Banco Central na área cambial, como falou alguém ligado ao governo, também não se justifica. De fato, em 2006 e 2007, o BC comprou US$ 115 bilhões (US$ 37,1 bilhões em 2006 e US$ 77,9 bilhões em 2007). Apesar disso, a taxa de câmbio se valorizou em 24% (de R$ 2,34 para R$ 1,78 por dólar). O adicional do superávit primário será de cerca de US$ 8 bilhões, à taxa de câmbio atual. Fará diferença relevante?
O fundo soberano valeria se começasse a funcionar depois de confirmado o petróleo do campo de Tupi e adjacências. Estaríamos em situação semelhante à da Noruega quando das descobertas no Mar do Norte. Como está posto, o fundo continua sendo uma má idéia.