Sem que se tivesse dado o devido destaque, o fato é que o presidente Lula e o presidente Fernando Henrique coincidiram totalmente ao formular uma proposta para melhorar a educação brasileira. Propõem os presidentes que os recursos adicionais que nosso país obterá com a exploração dos novos campos de petróleo que vêm sendo descobertos sejam utilizados para melhorar definitivamente a qualidade de nossa educação básica. O presidente Lula formulou a idéia na semana passada em discurso, segundo registrou o portal Terra; o presidente Fernando Henrique havia defendido essa proposta em artigo publicado neste mesmo espaço há cerca de dois meses, depois de havê-la mencionado em palestra a que assisti.
A idéia soa muito boa, mas para ter efeito na qualidade de nossa educação básica seria preciso que esses recursos adicionais fossem usados para provocar mudanças significativas nos indicadores de aprendizagem de nossos alunos. Hoje existem farto material de pesquisa e estudos comparativos que mostram que a simples injeção de mais recursos na educação não provoca mudanças significativas na sua qualidade. Da mesma forma, os estudos são unânimes ao demonstrar que as diferenças de salários dos professores não explicam disparidades nos índices de aprendizagem dos alunos. Em suma, mais recursos são necessários e bem-vindos, mas o problema é como utilizá-los para melhorar a educação.
Análises comparativas internacionais sugerem que as diferenças nos indicadores de aprendizagem dos alunos são majoritariamente explicadas pelo processo de formação e seleção dos professores e pela forma como suas carreiras se estruturam. Elas devem estimular e premiar o seu desempenho, medido pela aprendizagem dos alunos.
Não creia o leitor que propostas nesse sentido seriam facilmente aceitas e adotadas nos sistemas de ensino de nosso país. Haveria muitas resistências corporativas, ideológicas e políticas, semelhantes às que o governador José Serra e a secretária Maria Helena Castro vêm enfrentando por editarem um decreto simples que procura apenas reduzir a enorme rotatividade de professores e diretores nas escolas da rede pública paulista. Que esses profissionais da educação devam permanecer pelo menos um ano letivo na escola que lhes foi assignada por escolha ou concurso é um requisito elementar para garantir certa continuidade no trabalho escolar. Pois até isso é objeto de muita resistência e tentativas de promover paralisações na rede. Imagine-se o que ocorreria se medidas mais radicais fossem adotadas.
Temos em nosso país quase 3 milhões de professores no ensino básico que já estão contratados por Estados e municípios por esse Brasil afora. A maioria é de concursados, sendo, portanto, efetivos. Adotar novas regras para a formação e seleção de professores, semelhantes às práticas que são vigentes na Finlândia, por exemplo, seria importante, mas teria impacto apenas no longo prazo. Precisamos de algo mais rápido e efetivo. Pela Constituição, a União não pode impor regras para as carreiras de funcionários estaduais ou municipais sem garantir os recursos necessários. Federalizar o ensino básico tampouco é a solução, pois seria inviável e ineficiente gerir nacionalmente uma rede de mais de 200 mil escolas.
Deveríamos investir mais recursos na remuneração dos professores, vinculando-os, porém, à introdução de mudanças necessárias na sua formação, atualização profissional e estruturação de suas carreiras. A questão, portanto, está em identificar recursos adicionais importantes aos que hoje são aplicados na educação, de forma a induzir no curto prazo a adoção de práticas semelhantes às dos países que têm tido êxito nos seus sistemas educativos. Os recursos adicionais provenientes do petróleo podem ser uma oportunidade ímpar para viabilizar essas reformas.
A solução, a meu modo de ver, estaria na criação de um fundo nacional que contasse com recursos muito significativos e instituísse e financiasse um programa nacional de estímulo à qualidade docente. Com ele seriam estabelecidas gratificações e bônus para os professores que se submetessem a avaliações periódicas e aderissem a determinados princípios e normas que viessem a produzir resultados palpáveis na aprendizagem de seus alunos. Seguindo essa concepção geral, apresentei uma emenda ao projeto de reforma tributária ora em discussão na Câmara dos Deputados. Ela prevê que o equivalente a parcela muito expressiva dos recursos públicos provenientes do petróleo seja aplicado na educação pública básica para a criação do Fundo Nacional de Incentivo à Docência.
Em boa parte, os recursos provenientes do petróleo são distribuídos, hoje, entre as várias instâncias federativas, com propósitos genéricos ou específicos. No caso dos chamados royalties, por exemplo, as distorções geradas são enormes, pois sua destinação prioritária aos Estados e municípios produtores provoca diferenças de rendas fiscais entre entes federativos que não guardam qualquer proporção ou razoabilidade com as necessidades efetivas das suas populações. O petróleo é uma riqueza nacional, que deve produzir benefícios para o conjunto do País, especialmente para sua população mais carente. Não imagino outra utilização que pudesse produzir impacto mais importante na vida dos brasileiros e na construção de um país mais justo e desenvolvido do que sua utilização para melhorar nossa educação pública. Se hoje esses recursos são pulverizados e em grande medida desperdiçados em investimentos de prioridade questionável, imagine-se o que não acontecerá quando os novos poços de petróleo entrarem em produção.