Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

Michael Chertoff e a segurança interna

Vem aí o homem do muro


André Petry, de Washington

Hector Mata/AFP
O muro na fronteira entre México e EUA: para construí-lo, Chertoff ganhou poderes sem precedentes
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Chega a Brasília nesta semana para conversar com autoridades do governo brasileiro o homem da hora nos Estados Unidos: ele é Michael Chertoff, 54 anos, casado, dois filhos, formado em direito por Harvard e duríssimo na queda. Chertoff é um dos autores da lei que respondeu aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Polêmica, a lei permitiu ao governo vasculhar telefones, e-mails, fichas médicas e contas bancárias sem autorização judicial, além de liberar a detenção de imigrantes sem acusação formal. Desde o início de 2005, Chertoff chefia o Department of Homeland Security, equivalente a um ministério da segurança nacional, um mamute com uma tropa de 208 000 funcionários. Ele é o general civil da guerra contra o terror. Por isso, no governo Bush, onde tem barulho, tem Chertoff.

Na ressaca do Katrina, que devastou Nova Orleans, ele foi responsabilizado pela reação letárgica do governo, ainda que a missão fosse apenas parcialmente sua. É republicano da gema, mas defende o aborto legal e mantém um círculo de amizades entre os democratas. Em 1993, quando Bill Clinton tomou posse na Casa Branca, foi convidado para ficar no cargo de procurador, para o qual fora nomeado por Bush pai. Ficou. Quando veio à tona o escândalo de Whitewater, controvertida operação imobiliária dos anos 70 envolvendo os Clinton, não titubeou: foi um dos investigadores mais empenhados, o que lhe valeu a honra de figurar na lista negra do casal até hoje.

Agora, com a repressão contra os imigrantes ilegais ficando cada vez mais dura, Chertoff virou o homem do muro. Comanda a construção dos 3 000 quilômetros do muro, físico e virtual, que vai fechar a fronteira dos Estados Unidos com o México, com o objetivo de barrar imigrantes ilegais. Para cumprir a tarefa, ele ganhou um mandato de uma amplitude sem precedentes no Congresso: tem autoridade para ignorar qualquer lei que seja um obstáculo à construção do muro, das ambientais às que garantem a liberdade religiosa no país.

Chertoff não se fez de rogado. Já usou três vezes a autoridade que lhe conferiram, passou por cima de umas trinta leis e promete concluir o muro até o fim deste ano. É tanto poder que, num editorial recente, o jornal The New York Times disse que Chertoff é um "czar" com poderes "czaristas". Ele se diverte: "Estou certo de que isso não é exatamente verdadeiro." Mas reconhece que está em todas. Na semana passada, foi convocado para visitar a região do estado de Iowa onde um tornado matou quatro crianças num acampamento de escoteiros. Na quinta-feira, cancelou a agenda e embarcou num vôo de emergência. No dia seguinte, de volta a Washington, Chertoff recebeu VEJA em seu gabinete. A seguir, os pontos principais da entrevista:

A IMIGRAÇÃO – "Não estamos lutando uma guerra contra a imigração, mas diria que estamos indo por um caminho positivo que nos levará à redução do fluxo de imigrantes ilegais. A visão do presidente Bush é que deveríamos fazer uma ampla reforma para lidar com a questão da imigração legal. Nosso objetivo é ampliar nossa capacidade tanto para receber imigrantes legalmente como para evitar a entrada de imigrantes ilegais. Hoje, a situação é desfavorável. A janela de oportunidades para os imigrantes legais é estreita, o que acaba levando ao incremento da imigração ilegal. Precisamos reverter esse quadro barrando a imigração ilegal e estimulando a vinda temporária de pessoas para trabalhar de forma legal. A reforma geral, no entanto, precisa passar pelo Congresso, ao qual cabe aprovar uma nova lei. Como isso não aconteceu, fazemos o que é possível, tentando reduzir o fluxo de imigrantes ilegais. No último ano e meio, houve uma redução de cerca de 20% no número de imigrantes ilegais que cruzaram a fronteira. Mas o problema não se esgota nisso. Temos um outro tipo de imigração ilegal, o daquele sujeito que desembarca legalmente no país e acaba ficando mais tempo do que podia. Nesse caso, o remédio é a deportação. Há várias conseqüências indesejadas da imigração ilegal, mas a pior delas é quando o clandestino entra no país com a intenção de cometer crimes. Além disso, é simplesmente ruim você não ter controle sobre quem entra na sua casa. As pessoas convidam quem querem, mas os visitantes devem entrar pela porta da frente, e não quebrando a janela dos fundos.

Por isso, é importante encorajar as viagens legais, o turismo, o trabalho legal, com gente que possamos identificar, com gente que queremos que entre em nosso país, gente que saibamos onde estará. A legalização em massa dos 12 milhões de imigrantes ilegais que temos hoje é controvertida por isso. Essas pessoas violaram a lei e, entre elas, há quem, além disso, esteja cometendo crimes. Então, não podem simplesmente ser legalizadas, elas devem ser deportadas. Mas, para legalizar as demais, também precisamos ter garantias suficientes de que não estaremos estimulando uma nova onda de imigração ilegal. Do contrário, a legalização acaba virando um estímulo para o imigrante clandestino. É o que aconteceu na Espanha. Não queremos fazer isso."

O MURO – "Vamos construir 1.000 quilômetros de muro físico na fronteira, já fizemos metade disso. Se não tivermos obstáculos legais ou financeiros, tudo estará pronto até o fim do ano. Esse prazo só será cumprido porque o Congresso me deu poderes especiais para anular o efeito de leis que possam servir de obstáculo à construção. Sem esses poderes especiais, não haveria a menor possibilidade de construir o muro até o fim do ano. O complicado é que, no nosso sistema, existem tantas leis ambientais com questões técnicas que alguém pode recorrer à Justiça apontando algum problema; aí acontece um julgamento, depois alguém recorre, depois apresenta outro recurso, temos novo julgamento… Enfim, o caso é que uma discussão judicial pode levar de dez a quinze anos para chegar ao fim. É claro que as pessoas dispostas a promover uma batalha ambiental na Justiça não estão querendo propriamente ganhar a ação judicial, mas atrasar a construção, e daqui a quinze anos a situação será inteiramente outra. Então, não queremos ficar anos discutindo nos tribunais, porque os contrabandistas e os narcotraficantes não vão esperar a decisão judicial para cruzar a fronteira. Temos de compatibilizar o respeito ao meio ambiente com a necessidade de combater o crime. Já usei os poderes especiais que me foram concedidos pelo Congresso e anulei o efeito de trinta leis. Há pessoas que recebem uma missão e não a cumprem necessariamente. Nós, aqui, trabalhamos de um modo que pode surpreender algumas pessoas. Nós recebemos uma missão e vamos cumpri-la. A fronteira tem cerca de 3.200 quilômetros, em toda a sua extensão. Um terço dela terá um muro, com barreira física combinada a alguns equipamentos eletrônicos, como câmeras. Nos outros dois terços da fronteira, teremos apenas controles eletrônicos. Então, até o fim do ano a parte do muro físico com alguns aparatos tecnológicos estará pronta. Mas a proteção completa, com a instalação dos muros virtuais, levará mais alguns anos. Acreditamos que a fronteira estará efetivamente vedada, com barreiras físicas e eletrônicas, em toda a sua extensão até 2011. Não estamos fazendo um Muro de Berlim. É inteiramente diferente. O Muro de Berlim era uma prisão, um muro feito para impedir as pessoas de sair de seu país e entrar num outro onde elas seriam bem-vindas. O que nós estamos fazendo é impedir que as pessoas entrem ilegalmente no nosso país. Ninguém quer que alguém entre em sua casa, sente-se no sofá da sala e nem se saiba quem é."

O BRASIL – "Não sei qual é o problema de imigração ilegal que o Brasil enfrenta. Mas o modo como o país pretende enfrentar esse problema é, naturalmente, uma escolha brasileira. Já li algumas reportagens informando que na Tríplice Fronteira, onde se juntam as fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai, tem havido algum financiamento do terrorismo, algumas conexões com pessoas envolvidas com atividades terroristas. Mas não sei dizer em que medida e com que freqüência isso se dá. Naturalmente, o governo dos Estados Unidos está sempre interessado em ficar alerta sobre terroristas que estejam procurando se infiltrar em territórios no Ocidente. Basta lembrar o caso dos atentados contra judeus na Argentina. Mas não temos nenhuma apreensão em relação ao Brasil no quesito segurança. O país é um valioso parceiro econômico, estamos felizes com a sua liderança na região. Nossa cooperação é fértil, nossos presidentes firmaram um bom relacionamento. O presidente Bush recebeu o presidente brasileiro em Camp David. Para nós, é ótimo que o Brasil, sendo o que é, na economia e na política, esteja aqui em nosso hemisfério. Mas há situações diferentes no continente. A Venezuela, por exemplo. Eu não diria que a Venezuela é um estado terrorista. Sabemos que esse país ajudou e estimulou as atividades das Farc, essas sim uma organização terrorista. Mas eu soube recentemente que o líder da Venezuela conclamou as Farc a depor as armas. Isso seria uma mudança muito bem-vinda, se for sincera. O problema todo é ter uma região onde um país está interessado em desestabilizar os seus vizinhos. A Colômbia, alvo dessas tentativas, é uma grande amiga dos Estados Unidos e tem feito muitos progressos para fazer a paz e respeitar a lei."

O TERRORISMO – "Os Estados Unidos estão definitivamente mais seguros hoje do que em setembro de 2001. É difícil medir isso, dizendo de zero a dez, qual seria a possibilidade de sofrermos hoje um ataque terrorista da dimensão dos de 11 de setembro de 2001, mas é certo que, em termos de agressões catastróficas, reduzimos de modo significativo as possibilidades de que elas ocorram. Uma pessoa sempre pode se automotivar a ponto de fazer uma bomba e explodir junto com ela, promovendo um ataque terrorista, mas fará isso numa escala pequena e com conseqüências menos amplas. Não podemos evitar um ataque terrorista em lugar algum. O que podemos fazer é reduzir o risco e fazê-lo de um modo que não sacrifique nossos valores fundamentais. Acho que temos tido sucesso nessa empreitada, mas precisamos manter o monitoramento e nos adaptar aos novos desafios. É possível lutar contra o terrorismo e respeitar as liberdades civis ao mesmo tempo. Às vezes, as pessoas definem essas liberdades de modo tão amplo que qualquer medida de segurança vira um problema. Acredito que segurança é uma parte das liberdades civis fundamentais. É a sua liberdade de viajar, de ir ao cinema, sem ser morto ou intimidado. O fato é que para ter uma sociedade saudável é preciso respeitar liberdades civis, incluindo a segurança."

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