Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

Por que Chávez agora quer o fim das Farc

O recuo tático do coronel

Com popularidade em baixa, Chávez
agora quer distância do narcoterrorismo


Duda Teixeira

Pedro Rey/AFP
Chávez: ele acha que não há lugar para a luta armada na América Latina. Ainda bem
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Qual dos dois Hugo Chávez é sincero? O radical que defendia com paixão as Farc? Ou o presidente amansado que aconselha os narcoterroristas a depor as armas? "A esta altura, na América Latina, está fora de lugar um movimento guerrilheiro armado", explicou Chávez em seu programa dominical Alô Presidente, no dia 8. Em seguida, pediu a libertação incondicional dos mais de 700 reféns em mãos das Farc. Entender as mudanças no discurso do presidente venezuelano sempre foi um desafio. É certo que ele late mais do que morde. Seus vilipêndios contra o "império" e o "diabo" (George W. Bush), por exemplo, não afetaram o fato de os Estados Unidos serem o maior comprador do petróleo venezuelano. Chávez já mudou de posição outras vezes, apenas para ser desmentido logo depois. Talvez se tenha agora algo mais sério na guinada: a preocupação de Chávez com a própria sobrevivência política.

Desde o fim de 2007, o índice de aprovação do presidente venezuelano caiu 20 pontos porcentuais. Apesar de a Venezuela dispor de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a inflação disparou e faltam produtos básicos nas prateleiras. Depois de derrotado no plebiscito do ano passado, Chávez enfrenta o desafio de eleições para deputados, governadores e prefeitos marcadas para novembro. O apoio às Farc – cuja profundidade foi exposta em documentos encontrados nos computadores de Raúl Reyes, chefe das Farc morto pelo Exército colombiano, em março – é um fator negativo. Sete em cada dez venezuelanos consideram o grupo como terrorista. No último sábado, um dia antes de propor a paz no país vizinho, Chávez viu-se às voltas com outro constrangimento: a prisão na Colômbia de um sargento do Exército venezuelano ao tentar vender munição aos narcoterroristas. "Chávez resolveu tomar distância das Farc porque, do contrário, sabe que afundaria com elas", disse a VEJA Luis Vicente de León, diretor do instituto de pesquisas de opinião Datanalisis, em Caracas.

A perda de apoio popular também explica outras voltas atrás do coronel. Na semana passada, Chávez revogou a Lei de Inteligência, decretada por ele próprio, que transformaria a Venezuela em um estado policial similar a Cuba. O recuo faz sentido, pois a adoção da lei iria pôr em dúvida a existência de uma democracia na Venezuela. O fato de ter sido eleito democraticamente três vezes é a base da legitimidade de Chávez. Sem isso, ele se torna, aos olhos do mundo, apenas outro ditador desprezível. Na quarta-feira, o presidente sentou-se com empresários para lançar um pacote de medidas econômicas. O que em outros países seria um evento natural, na Venezuela é uma surpresa, considerando que muitos dos presentes eram empresários cujas fábricas Chávez tinha ameaçado expropriar.

O pedido para que as Farc abandonem as armas ocorre em ótimo momento para o governo colombiano, que tem conseguido enfraquecer o grupo terrorista com operações militares e uma bem-sucedida campanha de esclarecimento internacional. Os documentos descobertos nos notebooks de Reyes têm um papel relevante nisso. Na semana passada, surgiram informações de que as Farc estariam dispostas a libertar seqüestrados, entre eles a ex-candidata a presidente Ingrid Betancourt, que se encontra há mais de seis anos em cativeiro. Meses atrás as Farc entregaram seis de suas vítimas a Chávez. Desta vez, outro presidente pode ser escolhido como intermediário – até o nome de Luiz Inácio Lula da Silva é cogitado. Talvez aí esteja outra esperteza do coronel. Se reféns forem libertados, Chávez poderá dizer que a soltura ocorreu a seu pedido.

O perigo dos messiânicos

Moises Castillo/AP
Ramírez: ex-vice-presidente diz que Ortega pretende se perpetuar no poder


O nicaragüense Sergio Ramírez, de 65 anos, foi um dos líderes da Revolução Sandinista, que derrubou a ditadura de Anastasio Somoza, na Nicarágua, e vice-presidente no governo de Daniel Ortega entre 1984 e 1990. Em 1996, abandonou a política para se dedicar à literatura. Ramírez esteve no Brasil, na semana passada, para participar de um ciclo de palestras em Porto Alegre. Ele foi entrevistado pelo repórter Thomaz Favaro.

Por que parte da esquerda ainda mantém uma visão romântica das Farc? A esta altura, ninguém, por idealismo, pode ver as Farc como uma guerrilha romântica. Uma das grandes mudanças qualitativas que ocorreram na América Latina foi o fim da visão idealista da guerrilha. O pecado original das Farc é seu vínculo com o narcotráfico, e isso não há como apagar jamais.

A esquerda está no poder em vários países da América Latina. Qual será o grande teste para esses governos? Será aceitar a alternância de poder. Parece-me que isso já começou com Lula, que, se quisesse, poderia forçar um terceiro mandato. Sempre há pessoas falando ao ouvido de um presidente: "Você é imprescindível". São cantos de sereia que um estadista precisa saber desconsiderar, por mais popular que ele seja. Quando alguém fica muito tempo no poder, se deteriora. A corrupção e o nepotismo correm soltos, como acontece na Nicarágua e na Venezuela.

AFP
Ingrid: pode ser libertada


Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa têm como prioridade reformar a Constituição. Por quê? São presidentes que se elegeram não para governar o país através da democracia, mas para criar um novo tipo de poder, que arrase o anterior e estabeleça as bases de um projeto de longo prazo com espaço para um único governante – eles próprios. Gente como Chávez e Morales acredita estar à frente de um projeto messiânico.

Daniel Ortega regressou ao poder na Nicarágua travestido de democrata. Pode-se confiar nele? Tive uma relação muito estreita com Ortega nos anos 80. Na época, a Frente Sandinista era um partido monolítico com um caráter messiânico. No nosso governo, tudo funcionava em torno do partido, não havia um autoritarismo pessoal. Hoje, Ortega é o cabeça de um projeto messiânico do qual participam apenas ele e sua esposa. Nem mesmo a Frente Sandinista está incluída. Acredito que ele vai fazer todo o possível para se perpetuar no poder.

É mais fácil conquistar leitores ou eleitores? Quando perdi as eleições para presidente, em 1996, percebi que tinha muito mais leitores que eleitores, porque minha votação foi baixíssima. Os dois territórios são difíceis. Para um escritor, é preciso travar uma batalha diária pela conquista de público. O mesmo ocorre com um político, que precisa de eleitores para manter o seu mandato. Mas eu abandonei a política e só falo do assunto quando me perguntam.

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