Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

A Sky quer determinar o que o brasileiro deve ver na TV

Um perigoso precedente
na TV paga

Uma ação truculenta da Sky contra a MTV
Brasil expõe a tensão latente nesse mercado

Kelly Fuzaro/MTV

FORA DO AR
Programa da MTV Brasil: sinal mantido em São Paulo, sem contrato para regulá-lo

Há quinze dias, espectadores da MTV Brasil tiveram uma surpresa desagradável. Sem aviso prévio, a operadora de TV paga Sky suspendeu a transmissão do canal para boa parte de seu 1,7 milhão de assinantes – o sinal só continuou disponível em São Paulo. O contrato que a MTV Brasil mantinha com a Sky venceu em dezembro passado e, desde então, as duas empresas tentavam chegar a um novo acordo. Com base em seus investimentos na programação e no crescimento da audiência, a emissora – pertencente ao Grupo Abril, que também edita VEJA – reivindicava um aumento na remuneração paga pela Sky. A operadora rechaçou várias propostas e acenou apenas com a manutenção das condições do contrato anterior – agravadas por um mecanismo de reajuste da inflação que redundaria no achatamento dos ganhos da MTV. A emissora protestou. Então veio o ultimato: ou aceitava o que se propunha, ou o canal seria tirado do ar em 48 horas, como acabou acontecendo. "Estamos abertos a negociar, mas a Sky se recusa a sentar à mesa", diz André Mantovani, diretor-geral dos canais Abril. Por meio de sua assessoria, a Sky alega que a proposta que recebeu é "abusiva" e "teria impacto negativo" no preço de seus pacotes. Segundo a MTV, a Sky não apenas rompeu com a ética empresarial como ainda se apropriou de maneira indébita do conteúdo que ela produz – uma vez que continuam as transmissões em São Paulo, mesmo sem um contrato para regulá-las.

Pedro Rubens

NACIONAL É LEGAL
André Mantovani, dos canais Abril: ele luta para que os produtores de conteúdo brasileiro tenham mais espaço nos pacotes das operadoras


Mais que um episódio circunscrito, o desacerto entre MTV e Sky reflete a tensão latente no mercado de TV paga (não por acaso, a MTV recebeu o apoio de emissoras como a Bandeirantes ao lançar uma campanha de protesto contra a suspensão de seu sinal). O mercado brasileiro de TV por assinatura é dominado por duas operadoras, a Net e a Sky, que respondem por 78% dos 5,3 milhões de assinantes no país. Isso significa que nenhum canal ou produtor consegue se dirigir à maioria do público sem a bênção de ambas. Do capital da Sky, 74% está nas mãos de uma empresa controlada pelo grupo americano Liberty Media, assim como 49% dos votos da Net (mas muito mais do capital) pertencem à mexicana Telmex, do bilionário Carlos Slim. Nos dois casos, o restante das ações está nas mãos da Globo. O grupo que controla a maior rede aberta do país é o mesmo que manda na distribuição dos canais da TV paga – e, mais relevante neste contexto, é o mesmo que produz os mais fortes canais nacionais para essa plataforma, como GNT e Multishow. Para outros criadores de conteúdo como a Abril, a Band e um conjunto de empresas menores reunidas na Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), o que ocorre hoje em dia é uma espécie de bloqueio aos seus conteúdos. "Quando a Sky nos põe contra a parede, sinto-me seguro para dizer que o problema não é o preço que cobramos, nem a qualidade do que faz a MTV. O que há é uma tentativa de impedir o avanço de outros produtores de conteúdo nacional", diz Mantovani. Frederico Nogueira, vice-presidente da Band, completa: "Se um único grupo dita quem pode e quem não pode participar do jogo, o que se tem é uma reserva de mercado".

Hélvio Romero/AE

Alex Silva/AE

NOVO MARCO
O deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator do PL 29: seu projeto pretende dar novo alento ao mercado de TV paga.
Mas, para tanto, ele recorre ao remédio amargo das cotas

DONO DA BOLA
Luiz Eduardo Baptista da Rocha, presidente da Sky no Brasil: sua operadora e a Net detêm 78% do mercado de TV paga. E ditam quem pode e quem não pode entrar
no jogo

Encontra-se atualmente na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados um projeto de lei que estabelece um novo marco regulatório para o setor, o PL 29. Ele busca fixar regras para a entrada das empresas de telefonia na TV paga – o que, por si só, deverá fomentar a concorrência. E também instituir mecanismos de incentivo à produção audiovisual brasileira. Prevê a criação de um fundo de 500 milhões de reais para o financiamento dessa produção. Outros remédios previstos com essa mesma finalidade são polêmicos. É o caso da criação de cotas para os programas nacionais na TV paga. Elas viriam em dois formatos. A imposição de um porcentual diário de shows nacionais nos canais estrangeiros de filmes e seriados é o tipo de solução que interfere na liberdade de escolha do espectador (se ele decidiu sintonizar um enlatado americano, é porque quer ver exatamente isso: um enlatado). Outro tipo de cota previsto é aquele que obriga as operadoras a oferecer certo número de canais brasileiros em seus pacotes, mas sem exigir que haja uma diversidade de produtores. Relator do projeto, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) acredita que esse seja um remédio amargo, mas necessário nas circunstâncias nacionais. "Vivemos num ambiente de restrição da concorrência. Com isso saem prejudicados o espectador e o mercado brasileiro, que não consegue deslanchar na produção de conteúdo local", diz ele. O embate em torno do PL 29 é intenso – e o episódio Sky versus MTV pode ser visto como seu corolário. Se o projeto de lei já houvesse sido aprovado, a Sky jamais poderia ter feito o que fez.

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