na TV paga
Uma ação truculenta da Sky contra a MTV
Brasil expõe a tensão latente nesse mercado
Kelly Fuzaro/MTV |
FORA DO AR |
Há quinze dias, espectadores da MTV Brasil tiveram uma surpresa desagradável. Sem aviso prévio, a operadora de TV paga Sky suspendeu a transmissão do canal para boa parte de seu 1,7 milhão de assinantes – o sinal só continuou disponível em São Paulo. O contrato que a MTV Brasil mantinha com a Sky venceu em dezembro passado e, desde então, as duas empresas tentavam chegar a um novo acordo. Com base em seus investimentos na programação e no crescimento da audiência, a emissora – pertencente ao Grupo Abril, que também edita VEJA – reivindicava um aumento na remuneração paga pela Sky. A operadora rechaçou várias propostas e acenou apenas com a manutenção das condições do contrato anterior – agravadas por um mecanismo de reajuste da inflação que redundaria no achatamento dos ganhos da MTV. A emissora protestou. Então veio o ultimato: ou aceitava o que se propunha, ou o canal seria tirado do ar em 48 horas, como acabou acontecendo. "Estamos abertos a negociar, mas a Sky se recusa a sentar à mesa", diz André Mantovani, diretor-geral dos canais Abril. Por meio de sua assessoria, a Sky alega que a proposta que recebeu é "abusiva" e "teria impacto negativo" no preço de seus pacotes. Segundo a MTV, a Sky não apenas rompeu com a ética empresarial como ainda se apropriou de maneira indébita do conteúdo que ela produz – uma vez que continuam as transmissões em São Paulo, mesmo sem um contrato para regulá-las.
Pedro Rubens |
NACIONAL É LEGAL |
Mais que um episódio circunscrito, o desacerto entre MTV e Sky reflete a tensão latente no mercado de TV paga (não por acaso, a MTV recebeu o apoio de emissoras como a Bandeirantes ao lançar uma campanha de protesto contra a suspensão de seu sinal). O mercado brasileiro de TV por assinatura é dominado por duas operadoras, a Net e a Sky, que respondem por 78% dos 5,3 milhões de assinantes no país. Isso significa que nenhum canal ou produtor consegue se dirigir à maioria do público sem a bênção de ambas. Do capital da Sky, 74% está nas mãos de uma empresa controlada pelo grupo americano Liberty Media, assim como 49% dos votos da Net (mas muito mais do capital) pertencem à mexicana Telmex, do bilionário Carlos Slim. Nos dois casos, o restante das ações está nas mãos da Globo. O grupo que controla a maior rede aberta do país é o mesmo que manda na distribuição dos canais da TV paga – e, mais relevante neste contexto, é o mesmo que produz os mais fortes canais nacionais para essa plataforma, como GNT e Multishow. Para outros criadores de conteúdo como a Abril, a Band e um conjunto de empresas menores reunidas na Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), o que ocorre hoje em dia é uma espécie de bloqueio aos seus conteúdos. "Quando a Sky nos põe contra a parede, sinto-me seguro para dizer que o problema não é o preço que cobramos, nem a qualidade do que faz a MTV. O que há é uma tentativa de impedir o avanço de outros produtores de conteúdo nacional", diz Mantovani. Frederico Nogueira, vice-presidente da Band, completa: "Se um único grupo dita quem pode e quem não pode participar do jogo, o que se tem é uma reserva de mercado".
Hélvio Romero/AE | Alex Silva/AE | |
NOVO MARCO | DONO DA BOLA |
Encontra-se atualmente na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados um projeto de lei que estabelece um novo marco regulatório para o setor, o PL 29. Ele busca fixar regras para a entrada das empresas de telefonia na TV paga – o que, por si só, deverá fomentar a concorrência. E também instituir mecanismos de incentivo à produção audiovisual brasileira. Prevê a criação de um fundo de 500 milhões de reais para o financiamento dessa produção. Outros remédios previstos com essa mesma finalidade são polêmicos. É o caso da criação de cotas para os programas nacionais na TV paga. Elas viriam em dois formatos. A imposição de um porcentual diário de shows nacionais nos canais estrangeiros de filmes e seriados é o tipo de solução que interfere na liberdade de escolha do espectador (se ele decidiu sintonizar um enlatado americano, é porque quer ver exatamente isso: um enlatado). Outro tipo de cota previsto é aquele que obriga as operadoras a oferecer certo número de canais brasileiros em seus pacotes, mas sem exigir que haja uma diversidade de produtores. Relator do projeto, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) acredita que esse seja um remédio amargo, mas necessário nas circunstâncias nacionais. "Vivemos num ambiente de restrição da concorrência. Com isso saem prejudicados o espectador e o mercado brasileiro, que não consegue deslanchar na produção de conteúdo local", diz ele. O embate em torno do PL 29 é intenso – e o episódio Sky versus MTV pode ser visto como seu corolário. Se o projeto de lei já houvesse sido aprovado, a Sky jamais poderia ter feito o que fez.