A melhor maneira de resolver de vez a questão da não aceitação pelos partidos de registro de candidaturas de pessoas que respondam a processos, mesmo que seja em primeira instância, como forma de depurar nossa representação parlamentar nos diversos níveis, seria o Congresso tomar a si a tarefa de explicitar na legislação que regulamenta a Lei das Inelegibilidades essa decisão, acabando com a discussão sobre se deve ou não prevalecer o princípio da moralidade no serviço público para os candidatos a cargos eletivos. Parece estranho ainda haver hoje em dia uma discussão como essa, envolvendo critérios éticos na definição de candidaturas, mas a triste realidade é que foram os próprios deputados e senadores que incluíram a exigência de trânsito em julgado na regulamentação da lei, e o Congresso atual não quer deixar de ter essa visão corporativa.
Assim como não conseguem aprovar uma reforma política digna do nome, para não mexer com os interesses estabelecidos, também não querem abrir caminho para uma depuração da representação parlamentar e fazem leis ajustadas à proteção dos seus próprios interesses.
A questão é que a corrupção eleitoral está entranhada nos hábitos e costumes dos políticos brasileiros, e o presidente Lula deve falar com conhecimento de causa, pelos anos em que se candidatou antes de chegar ao Palácio do Planalto, quando diz que o uso do caixa dois é um hábito de todo político para financiamento de campanhas eleitorais.
No caso do escândalo envolvendo seu governo, em 2005, não se tratava apenas disso, pois a engenharia política petista inovou no plano federal ao pagar suborno periódico a políticos da base governista, o famoso mensalão, para que se mantivessem fiéis ao Planalto.
Lula apenas admitiu um crime eleitoral para não ter que admitir crimes de outra natureza, que o Supremo Tribunal Federal está investigando.
Embora a atuação do lobista Marcos Valério tenha comprovadamente começado em Minas na campanha eleitoral do PSDB ao governo, ali ainda se tratava do velho e bom caixa dois, ficando o mensalão como uma contribuição do PT para as práticas eleitorais brasileiras.
O ex-ministro José Dirceu, apontado pelo procuradorgeral da República como o chefe da quadrilha que comandava esse esquema de corrupção de dentro do Palácio do Planalto, está vendo sinais de pagamentos periódicos no escândalo do governo do Rio Grande do Sul.
Tomando por base gravações do vice-governador Paulo Feijó, do DEM, com Cézar Busatto, o ex-chefe do Gabinete Civil do governo tucano, Dirceu tira ilações de que o diálogo sobre o uso de estatais, como o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e o Banrisul, se refira a mais coisas do que simplesmente “financiamento de campanhas”.
Dirceu faz uso político das gravações ilegais realizadas por Feijó, mas reclama quando usam gravações do prefeito de Juiz de Fora, Alberto Bejani (PTB), em que ele aparece como provável intermediário, segundo a Polícia Federal, de um financiamento do governo pelo qual receberia uma comissão de R$ 7 milhões.
Fora o fato de que Dirceu agora parece ter sido atingido pelo fogo amigo que tem atingido a ministra Dilma Rousseff, sempre por intermédio de pessoas que coincidentemente foram nomeadas por ele, o que importa aqui é registrar que os escândalos políticos não param de pipocar, e eles são pluripartidários.
Esses crimes envolvem praticamente integrantes de todos os partidos políticos, o que indica que a geléia geral em que se transformou o sistema partidário brasileiro é também conseqüência do financiamento de campanhas eleitorais, que aproxima todos na ilegalidade e faz do corporativismo a base do relacionamento parlamentar.
É assustador, por exemplo, como sintoma da anomia que se instalou no nosso mundo político, o fato de que vários deputados estaduais no Rio de Janeiro desistiram de relatar o processo de quebra de decoro parlamentar do ex-chefe de polícia, hoje deputado estadual do PMDB Álvaro Lins, acusado pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal de fazer parte de uma quadrilha armada, cujo comando seria do ex-governador Anthony Garotinho.
Foram nada menos que cinco desistências até que aparecesse um deputado disposto a assumir a perigosa missão. E perigosa por que? Porque os deputados temem retaliações da tal “quadrilha armada”. Se isso não é um clima de Chicago anos 20, não sei mais o que pode ser.
O PT sai em defesa dos seus acusados, o PSDB apóia a governadora Yeda Crusius, que o PSOL quer impichar, o DEM quer expulsar o vice-governador Paulo Feijó, que fez as gravações, acusado de falta de ética pela governadora, e nossa vida política continua sendo uma confusão, onde valores e princípios não são questões prioritárias.
Se são, como diz o economista Moisés Naim, editorchefe da “Foreign Policy”, “os políticos e a opinião pública que definem o grosso das expectativas e dos limites às iniciativas de combate ao ilícito”, estamos com parâmetros frouxos na atividade política, a começar pelo presidente Lula.
Quando o presidente faz um discurso criticando a proibição legal de inaugurar obras durante o período de seis meses anteriores às eleições, chamando a decisão de hipócrita, está incitando os cidadãos que o ouvem a se rebelarem contra uma legislação que está em vigor e que ele, como primeiro mandatário do país, devia dar o exemplo de respeito.
Se considerar a lei inadequada, o presidente Lula tem meios de tentar mudá-la através do Congresso, mas não pode criticá-la publicamente, nem deveria elogiar políticos acusados de ilegalidades, pois, agindo assim, ajuda a instalar um estado de anomia no país.
Entrevista:O Estado inteligente
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