O Globo |
10/6/2008 |
Entre controlar a inflação e manter o poder aquisitivo dos programas sociais, em especial o Bolsa Família, o governo escolhe os dois, sem tempo, em ano eleitoral, para esperar que as medidas contra a inflação se reflitam na recuperação do poder aquisitivo dos cidadãos de baixa renda. A perspectiva de alta da inflação confirmada por mais um índice, o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna), que registrou a maior taxa desde janeiro de 2003, deve ser neutralizada politicamente hoje pela divulgação do crescimento do PIB no primeiro trimestre, que vai confirmar um ritmo próximo de 6% ao ano. Acontece que o consumo interno, que continua forte, é a razão principal tanto do crescimento da economia quanto do aumento da inflação, o que coloca o governo em uma sinuca. Na mesma reunião ontem em que o ministério analisou os perigos da inflação, cristalizou-se a decisão de aumentar o Bolsa Família, já que a inflação dos alimentos para as famílias de renda mais baixa atingiu 8% este ano. Uma decisão como essa só faz aumentar os gastos públicos, cuja restrição seria uma alternativa ao aumento dos juros para combater a inflação. Ao mesmo tempo, porém, que a única arma de controle inflacionário tornou-se a atuação do Banco Central, o aumento dos juros leva à valorização do real, o que provoca a deterioração do déficit em conta corrente, que já é maior que 1% do PIB e pode se aproximar perigosamente dos 2% ainda este ano. Como é politicamente incorreto reclamar do choro de um bebê ou do latido de um cachorro, assim também não é aceitável criticar o aumento do Bolsa Família. O argumento de que os miseráveis têm pressa esconde o fato de que o governo não toma as medidas necessárias para controlar estruturalmente a inflação, assim como os programas assistencialistas não resolvem as causas da pobreza, apenas as mascaram. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou há meses combater a previsível alta da inflação com a contenção do consumo, e o mundo veio abaixo quando anunciou que negociaria com bancos e financeiras uma redução dos prazos de financiamento. Como a alta da inflação e o déficit de conta corrente insistem em mostrar que não há nada de saudável num Estado que gasta mais do que pode, o Banco Central prepara-se para não apenas aumentar os juros até o fim do ano, como também aumentar as exigências de capital próprio dos bancos para os financiamentos muito longos, para inviabilizá-los economicamente a partir de um determinado limite. É exatamente o que o ministro Guido Mantega queria fazer, mas dificilmente se poderá atribuir a ele uma vitória política, pois o Banco Central mantém a postura de aumentar os juros, coisa que ele queria evitar. Mas a inflação hoje é um problema generalizado que ameaça o crescimento mundial. A área econômica do governo exibe com orgulho o fato de que apenas Brasil e Canadá estão conseguindo manter a taxa de inflação dentro das metas, embora aqui ela já esteja mais próxima do limite superior, que é de 6,5%, do que do centro da meta. O presidente Lula aprendeu cedo que sua popularidade depende do índice de inflação, de resto um axioma conhecido de todos os governos. O cientista político Sérgio Abranches, considerado quem melhor acompanha essa relação custo-benefício político, diz que os índices de popularidade do governo Lula ainda não foram afetados pela inflação, mas tem certeza de que serão, "se a inflação começar a atingir o poder de compra efetivo (renda mais crédito ou a capacidade de pagar as contas mais as prestações) dos consumidores". Com a entrada dos consumidores de baixa renda no mercado de eletrônicos, o reajuste do Bolsa Família se faz necessário tanto para compensar o aumento da cesta básica - que em alguns estados já teve um aumento de até 30% - como também para garantir o pagamento das prestações dos novos bens de consumo, como televisão, geladeira e outros eletrônicos menos necessários à subsistência, mas que aumentam o índice de "conforto corrente", importante fator de influência do Índice de Confiança do Consumidor da FGV. Com base no resultado de maio, Sérgio Abranches nota que a confiança do consumidor, ainda robusta, já não sobe a um ritmo que denota a euforia do passado recente. "Hoje ela está basicamente sustentada por um elevado índice de satisfação com a situação econômica atual. As expectativas em relação ao futuro são positivas, porém relativamente estáveis, em contraste com a forte ascensão da satisfação corrente". Na análise de Abranches, o índice de satisfação indica que a inflação não atingiu ainda a confiança e o conforto presente dos consumidores, mas a estabilidade das expectativas indica que essa satisfação não gera mais otimismo na mesma proporção, o que seria "um indicador provável de alguma preocupação, ainda difusa, com a inflação". Ele considera que o crédito fácil reduz o impacto na alta dos "bens-salário" no orçamento dos consumidores. "A participação da alimentação, importante componente dos "bens-salário", na cesta de consumo de todas as classes de renda, caiu com os ganhos de rendimentos dos últimos anos". Ele lembra que, em muitos setores, os salários estão sendo reajustados acima dos ganhos de produtividade, "um fator de alimentação da inflação futura, mas de conforto corrente", avalia. Por enquanto, a inflação ainda não atingiu o que Sérgio Abranches chama de "conforto do consumo ampliado". |
Entrevista:O Estado inteligente
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