Alguém precisa explicar para os juízes eleitorais que o mundo está em meio a uma revolução digital que tem como maior impacto a transferência de poder dos meios de comunicação de massa para os indivíduos, que hoje têm acesso a variadas opções para se informar, e instrumentos para disseminar suas opiniões.
Essa nova sociedade civil global que está se formando, segundo a definição do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern Califórnia, nos Estados Unidos, procura preencher o “vazio da representação” legitimando sua ação política não através de partidos (ou não apenas), mas de mobilizações espontâneas, usando sistemas autônomos de comunicação.
Um desses “sistemas autônomos” que tanto poder dá aos cidadãos é justamente a “instant messaging”, o nosso popular torpedo, que a Justiça Eleitoral pretende proibir nas campanhas eleitorais deste ano. A origem dessa decisão estaria em um movimento organizado supostamente por setores da Igreja Católica, que teriam difundido, na campanha de 2006, através de uma rede de torpedos, a informação de que a candidata Jandira Feghali era a favor da descriminalização do aborto.
De fato, várias igrejas católicas do Rio fizeram campanha contra a então candidata ao Senado pelo PCdoB, que não se elegeu, e essa rede de celulares pode ter atuado.
Mas é uma atuação legítima.
E mesmo as intervenções ilegítimas, com informações distorcidas e calúnias, devem ser combatidas através da lei em vigor, e não com a tentativa de censurar.
Na pretensão de assumir a defesa do eleitor, os juízes eleitorais estão na verdade tutelando-os quando pretendem impedir que mensagens sejam passadas pelo telefone, uma das maneiras mais utilizadas hoje em dia para mobilizações de toda ordem.
Já é um caso clássico a campanha, através de mensagens de telefone celular, que acabou ajudando a derrotar o então primeiro-ministro José María Aznar na Espanha depois dos atentados terroristas de 2004, na véspera da eleição.
O governo passou a informação extra-oficial de que os atentados haviam sido realizados por terroristas ligados ao ETA, o movimento separatista basco, mas uma rede de celular espalhou a verdade que o governo queria esconder: os ataques foram feitos pela Al Quaeda.
Aznar não queria colocar em xeque a política do PP de apoio incondicional à guerra do Iraque. O candidato do PSOE, José Luis Zapatero, acabou eleito na ocasião, e se reelegeu este ano.
Na semana passada, o panelaço na Argentina contra o governo de Cristina Kirchner foi promovido através principalmente da troca de torpedos, embora os peronistas tentem retirar o caráter espontâneo do movimento, atribuindo-o a uma campanha da mídia reacionária.
Como se vê, a utilização dos torpedos não tem coloração política, e serve mesmo para informar e mobilizar os cidadãos. O sociólogo Manuel Castells vê “significados políticos” no potencial da internet quando se transforma em um meio autônomo de organização, independente de um comando central de controle.
“As implicações desse fenômeno no nível global são cheios de significados políticos.
Internet e comunicação sem fio, como os telefones celulares, fazendo a ligação global, horizontal, de comunicação, provêem um espaço público como instrumento de organização e meio de debate, diálogo e decisões coletivas”, ressalta ele em seus escritos.
É essa ampla liberdade de informação que os juízes eleitorais têm a pretensão de restringir e organizar, agindo da mesma maneira que os governos ditatoriais como os da China ou de Cuba, que tentam controlar o acesso à internet pela população.
Entre essas novas opções tecnológicas que começam a ser usadas no Brasil também como meio de disseminação de idéias políticas destacam-se os produtos criados pelos próprios indivíduos, através de blogs e de redes sociais (como Orkut e MySpace e Facebook).
É claro que as novas tecnologias permitem a propagação de boatos em uma velocidade e com uma abrangência novas, e a internet, a par de ser um instrumento de informação e pesquisa admirável e imprescindível, é também o maior propagador de boatos em nível planetário.
Mas querer proibir o envio de torpedos durante a campanha eleitoral, a pretexto de impedir a propagação de boatos contra candidatos, é uma ameaça aos direitos individuais e uma maneira de censurar o cidadão, tão prejudicial quanto a decisão da Justiça de impedir que jornais e revistas publiquem entrevistas com pré-candidatos às eleições municipais.
Em todas essas decisões, pretendem os juízes proteger o eleitor subtraindo dele informações, o que é uma contradição num regime democrático, que mais se revigora quanto mais informações circularem pela sociedade. Não é à toa que o advento do Estado moderno está ligado ao papel da imprensa como meio de difundir, no fim do século XVIII, o pensamento da “opinião pública”, como oposição à força do Estado absolutista.
O historiador francês Alexis de Tocqueville, que defendia mais liberdade para combater os eventuais excessos de liberdade da democracia, tem uma definição sobre a liberdade de imprensa que deveria ser lida pelos juízes que estão processando os jornais pelas entrevistas com pré-candidatos: “A liberdade da imprensa não faz sentir o seu poder apenas sobre as opiniões políticas, mas também sobre todas as opiniões dos homens.
Não modifica somente as leis, mas os costumes (...). Amo-a pela consideração dos males que impede, mais ainda do que pelos bens que produz”.
Em todos os casos, seja pelos jornais, pelo celular, pela internet, sejam as novas tecnologias ou as tradicionais, o que se defende é apenas a liberdade de acesso do cidadão à informação, para que possa tomar a decisão que mais lhe convier na hora do voto.
Entrevista:O Estado inteligente
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