Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 13, 2008

Luiz Garcia - Tentação de maculação



O Globo
13/6/2008

Foi decisão apertada: por quatro votos contra três, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que candidatos respondendo a processos criminais não perdem o direito de disputar cargos públicos.

Em tese, faz sentido. É o princípio da presunção de inocência até prova em contrário. Na prática, nem tanto.

Pelas leis brasileiras (diferentes das de muitos países igualmente democráticos) não basta a condenação em uma instância, nem mesmo em duas. É preciso que ela seja mantida pelo TSE e ainda confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

É presunção que não acaba mais.

O cidadão comum tem direito à perplexidade. Pode perguntar, por exemplo, se isso não desmoraliza a sentença de juiz singular ratificada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça. Se ainda não foi revogada a lei das probabilidades, parece bem mais provável que o réu já condenado duas vezes seja culpado, não inocente.

Nesse ponto, ganha importância a opinião do presidente do TSE, Carlos Ayres Britto: ele reconhece que um acusado só pode ir para a cadeia quando condenado pela última das últimas instâncias. Mas, lembra, isso é questão de direito penal. E a Justiça Eleitoral não decide sobre prisão ou liberdade. Ela cuida da representação popular, que exige moralidade na vida pública. A folha limpa é exigência natural e indispensável.

A decisão do TSE não levou em conta, também, que há crimes e crimes. Um cidadão que responde a processo, digamos, por crime passional ou de opinião, não estaria obrigatoriamente incapacitado de representar o povo no Legislativo. Mas, falemos sério, pode-se dizer o mesmo de quem já foi condenado pelo juiz singular e em seguida pelo Tribunal de Justiça, como ladrão de dinheiro público?

Há outro argumento, subjetivo mas não menos sério, que a última instância da Justiça Eleitoral não levou em conta: com a proteção indiscriminada oferecida pelo mandato eletivo, temos em todos os níveis do Legislativo o nível de representação que sabemos. É pouca ou muita coincidência? Não faz sentido imaginar que estreitar o gargalo elevaria esse nível?

Palmas, a propósito, para a reação do presidente do TRE fluminense, desembargador Roberto Wider: continuará a fechar a porteira para quem tem ficha suja. Se a maioria dos tribunais tiver a mesma atitude pode ser que fique meio saia justa para o TSE continuar a dar vida mansa para a turma da persistente presunção de inocência.

Vale a pena lembrar que levar uma pendenga judicial até as últimas instâncias do Judiciário custa caro, muito caro. É investimento que só está ao alcance do candidato com bolsa funda e cheia - possivelmente, graças aos próprios crimes de que ele é acusado.

Por isso mesmo, já seria saudável avanço não considerar presumida a inocência de quem já estivesse condenado, pelo menos em duas instâncias, por desonestidade na gestão de dinheiro público. Como disse anteontem Roberto Jefferson, com absolutamente inegável conhecimento de causa, "homem público às vezes se macula."

Na falta de restrição mais drástica, por que não afastar da tentação de maculação quem já se mostrou incapaz de resistir a ela?

Arquivo do blog