Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

Fim dos Tempos, com Mark Wahlberg

Vingança da natureza

Com o apocalíptico Fim dos Tempos, Shyamalan
reacerta o passo. Agora só falta maneirar na vaidade


Isabela Boscov

Wahlberg, Zooey e Ashlyn: pelo menos na primeira hora, uma experiência de fazer o sangue gelar

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Em 1989, quando ganhou a Palma de Ouro em Cannes por seu primeiro filme, sexo, mentiras e videotape, o diretor Steven Soderbergh comentou: "Daqui para a frente, é ladeira abaixo para mim". Tratava-se não de pessimismo, mas de uma profecia informada. Soderbergh viria, sim, a reverter a crescente decepção com que cada novo filme seu era recebido, mas demoraria mais de uma década até fazê-lo – com a vantagem, ao menos do ponto de vista pessoal, de que desde o início entendera que a expectativa é a inimiga natural da satisfação. Como aconteceu com Soderbergh, o indo-americano M. Night Shyamalan também vem convivendo com a frustração há quase uma década. Mas não dá mostras de que está perto de se conciliar com ela. Com Corpo Fechado, A Vila e A Dama na Água, o cineasta acumulou respostas negativas da crítica e na bilheteria. Shyamalan, porém, não acredita que o problema esteja em seus roteiros ou no dilema criado pelo sucesso de O Sexto Sentido, com que se lançou. Em quase todas as suas entrevistas, ele sugere ser vítima de inveja, de interferência e de incompreensão, nunca de sua própria arrogância (muito conhecida nos altos escalões de Hollywood) nem da fé exagerada no poder de venda de seu nome. Fim dos Tempos (The Happening, Estados Unidos/Índia, 2008), desde sexta-feira em cartaz no país, ilustra bem a polaridade entre as qualidades e os defeitos do diretor: é uma notável recuperação criativa. E, ao mesmo tempo, é menos do que poderia ser.

Em sua primeira hora, Fim dos Tempos põe em evidência tudo aquilo que fez de Shyamalan uma marca poderosa. Por volta das 8 da manhã de um dia qualquer, todos os freqüentadores do Central Park de Nova York param de correr, passear ou conversar e começam a se suicidar, usando qualquer coisa que tenham à mão. Em minutos, a onda já atingiu as imediações. Numa construção, os operários são surpreendidos pelo corpo de um companheiro batendo no chão, e depois por outro e mais outro, no que logo se torna uma tenebrosa chuva de suicidas. Chocar e horripilar são missões que o cinema de terror dificilmente consegue cumprir hoje em dia, e é um crédito ao diretor que em Fim dos Tempos ele o faça em tantas ocasiões, e pelo caminho mais virtuoso – não o do sangue e vísceras, mas o do inexplicável. À medida que acompanha um professor de ciências (Mark Wahlberg), sua mulher (Zooey Deschanel), seu amigo (John Leguizamo) e a filha pequena deste (Ashlyn Sanchez) na sua tentativa de fugir à febre de auto-imolação que vai se espalhando, Shyamalan tira o máximo do seu dom de explorar, em imagens simples e fortes, o mal-estar causado por aquilo que não é natural e que contraria a condição humana.

Na meia hora final, porém, essa sensação se dilui, por culpa daquele que é o grande fraco do cineasta: o desconhecimento de suas limitações. A idéia de que o agente que induz ao suicídio é um ato da natureza é boa; as razões dadas para tal ato são simplórias e pedestres, e só o diretor parece não se dar conta disso. O que falta a Shyamalan, enfim, é tanto estofo intelectual quanto a sabedoria para reconhecê-lo. Caso se abrisse a um processo mais colaborativo (ele também escreve e produz sozinho seus filmes), talvez deixasse de lado as explicações mal-ajambradas, ou as cenas desnecessárias como aquela em que o tratador de um zoológico se oferece aos leões – tão calculada para o choque que beira o ridículo. Aí, Fim dos Tempos poderia chegar até o desfecho como aquilo que seu início anuncia: uma experiência de gelar o sangue.

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