Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

Agente 86, com Steve Carell

O ESPIÃO QUE AMAMOS TANTO

Agente 86 entende que certas coisas não envelhecem
– nem a sátira bem-feita, nem a tolice e a doidice


Isabela Boscov

Divulgação
Anne e Carell, como os agentes 99 e 86: a Guerra Fria acabou, mas o sapatofone continua em dia

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Trailer do filme
Em 1965, quando Mel Brooks criou a série Agente 86, a Guerra Fria estava no auge – e, a exemplo do que faria mais tarde com o nazismo em Primavera para Hitler (o filme que deu origem ao musical Os Produtores), o comediante tomou uma ameaça nefasta e virou-a do avesso, para mostrar a tolice e a doidice embutidas no princípio da destruição mutuamente assegurada (em inglês, mutually assured destruction, que forma a muito apropriada sigla MAD), decorrente do fato de que tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética possuíam arsenal nuclear para destruir um ao outro – e ao planeta – várias vezes. Na série, que sobreviveu até 1970 e se tornou um clássico, Don Adams era Maxwell Smart, que fazia de tudo para não justificar seu sobrenome, "esperto". Como o agente 86 da organização C.O.N.T.R.O.L.E., ele renovava a cada episódio sua reputação de parvoíce sem atenuantes – exceto pela meiguice e boa vontade, que lhe rendiam a tolerância do Chefe e a afeição de sua parceira, a eficiente Agente 99. Não que o C.O.N.T.R.O.L.E. não merecesse um funcionário como Smart: todas as semanas, a atrapalhada agência secreta só frustrava os planos de sua rival K.A.O.S. porque esta também era um exemplo de inépcia e estupidez. Em um total de 138 episódios, Brooks e seu co-roteirista, o venerando Buck Henry, não só popularizaram um sem-número de sacadas quase dadaístas no seu absurdo, como o sapatofone e o cone do silêncio (veja o quadro), como também firmaram uma espécie de manifesto. Se a série pudesse ser resumida em duas frases, elas seriam: o mundo está nas mãos de loucos e imbecis – e somos todos também loucos e imbecis de deixar que seja assim. Respeitar essa qualidade primordial, do nonsense e da troça, é o primeiro dos muitos acertos do longa-metragem adaptado da série, Agente 86 (Get Smart, Estados Unidos, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país.

No filme, Steve Carell é Maxwell Smart, ainda um dedicado e chatíssimo analista do C.O.N.T.R.O.L.E. ("se vocês observarem a página 738 do meu relatório de hoje...", ele diz, em suas preleções). Por causa de um ataque da K.A.O.S. à sede de sua organização, que expõe as verdadeiras identidades de todos os espiões espalhados pelo mundo, Smart ganha a oportunidade de se provar como agente de campo. Isto é, desde que obedeça (o que ele não pretende fazer) à experiente Agente 99 (Anne Hathaway), que pôde voltar à ativa porque fez uma série de cirurgias plásticas e passou de loira a morena. A missão da dupla consiste em impedir o tráfico de armas nucleares, mas, felizmente, o roteiro a trata como mero pretexto para apresentar personagens deliciosos, do Chefe (Alan Arkin) e do Agente 23 (Dwayne Johnson, que vem ganhando respeito merecido e não quer mais ser chamado de The Rock) a um capanga com problemas conjugais (o indiano Dalip Singh, que tem 2,18 metros de altura e quase o mesmo tanto de queixo). As excelentes escolhas de elenco incluem ainda Bill Murray como o Agente 13, que se esconde sempre em lugares improváveis, como gavetas; Terence Stamp como o vilão Siegfried; James Caan como o tapado presidente americano; e Nate Torrence e Masi Oka, esse último da série Heroes, como uma dupla de nerds medrosos empregados pelo C.O.N.T.R.O.L.E.

Da mesma forma que na série (e isso era parte de seu charme), às vezes as blagues acertam o alvo, às vezes não – mas o que importa é que vêm em tal quantidade e velocidade que, no conjunto, fazem o filme funcionar. Numa demonstração admirável de versatilidade, os roteiristas e o diretor Peter Segal, até aqui mais conhecido pelos filmes que fez com Adam Sandler, saem-se bem tanto nas piadas miúdas (por exemplo, a cena em que o Chefe erra vez após vez a pronúncia de um nome) como nas seqüências concebidas à maneira de esquetes cômicos – dentre estas, é inigualável a competição numa pista de baile entre 86 e 99, ele dançando com uma gorducha e ela, com um vilão russo. Acima de tudo, o que faz Agente 86 ser um prazer é uma questão de conceito ou, vá lá, daquilo que o protagonista nunca teve, o bom senso: reconhecer que certas coisas são eternas na origem e que não é preciso reformá-las para que pareçam modernas. Um pensamento que vale tanto para a qualidade da sátira de Mel Brooks e Buck Henry como também para o que eles queriam ridicularizar – a tolice e a doidice.

Manual do agente secreto

Piadas que a série inventou e o filme aproveitou

C.O.N.T.R.O.L.E. e K.A.O.S.

São organizações arquiinimigas.
O C.O.N.T.R.O.L.E., que Maxwell Smart integra, é a do bem. A K.A.O.S. é a do mal, à qual pertence o grande rival de Smart, o vilão Siegfried. A intenção era que os nomes fossem acrônimos, mas os criadores Mel Brooks e Buck Henry nunca conseguiram bolar um significado para as iniciais

AGENTE 99

Nos primeiros roteiros, a paciente parceira de Smart se chamava Agente 69 – escolha vetada pela censura da época por ser sexualmente sugestiva

SAPATOFONE

É um exemplo típico do humor de Brooks: nada mais idiota do que ter de descalçar o sapato direito para falar ao telefone com o Chefe. Outro aparelho igualmente estúpido é o rádio colocado em um dos dentes, que capta só o que o seu usuário diz e nada à sua volta

CONE DO SILÊNCIO

Na série, um cone de acrílico descia sobre Maxwell Smart e o Chefe quando eles discutiam assuntos sigilosos. No filme, ele foi substituído por um cone de plasma, ainda mais inútil, já que impede que um interlocutor ouça o que o outro diz

AGENTE 13

Era uma das piadas recorrentes da série, já que vivia sendo postado em esconderijos improváveis, como gavetas, caixas de correio e lavadoras. No filme, Bill Murray faz uma ponta como o infeliz agente, colocado de vigia dentro do oco de uma árvore

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