Agente 86 entende que certas coisas não envelhecem
– nem a sátira bem-feita, nem a tolice e a doidice
Isabela Boscov
Divulgação |
Anne e Carell, como os agentes 99 e 86: a Guerra Fria acabou, mas o sapatofone continua em dia |
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No filme, Steve Carell é Maxwell Smart, ainda um dedicado e chatíssimo analista do C.O.N.T.R.O.L.E. ("se vocês observarem a página 738 do meu relatório de hoje...", ele diz, em suas preleções). Por causa de um ataque da K.A.O.S. à sede de sua organização, que expõe as verdadeiras identidades de todos os espiões espalhados pelo mundo, Smart ganha a oportunidade de se provar como agente de campo. Isto é, desde que obedeça (o que ele não pretende fazer) à experiente Agente 99 (Anne Hathaway), que pôde voltar à ativa porque fez uma série de cirurgias plásticas e passou de loira a morena. A missão da dupla consiste em impedir o tráfico de armas nucleares, mas, felizmente, o roteiro a trata como mero pretexto para apresentar personagens deliciosos, do Chefe (Alan Arkin) e do Agente 23 (Dwayne Johnson, que vem ganhando respeito merecido e não quer mais ser chamado de The Rock) a um capanga com problemas conjugais (o indiano Dalip Singh, que tem 2,18 metros de altura e quase o mesmo tanto de queixo). As excelentes escolhas de elenco incluem ainda Bill Murray como o Agente 13, que se esconde sempre em lugares improváveis, como gavetas; Terence Stamp como o vilão Siegfried; James Caan como o tapado presidente americano; e Nate Torrence e Masi Oka, esse último da série Heroes, como uma dupla de nerds medrosos empregados pelo C.O.N.T.R.O.L.E.
Da mesma forma que na série (e isso era parte de seu charme), às vezes as blagues acertam o alvo, às vezes não – mas o que importa é que vêm em tal quantidade e velocidade que, no conjunto, fazem o filme funcionar. Numa demonstração admirável de versatilidade, os roteiristas e o diretor Peter Segal, até aqui mais conhecido pelos filmes que fez com Adam Sandler, saem-se bem tanto nas piadas miúdas (por exemplo, a cena em que o Chefe erra vez após vez a pronúncia de um nome) como nas seqüências concebidas à maneira de esquetes cômicos – dentre estas, é inigualável a competição numa pista de baile entre 86 e 99, ele dançando com uma gorducha e ela, com um vilão russo. Acima de tudo, o que faz Agente 86 ser um prazer é uma questão de conceito ou, vá lá, daquilo que o protagonista nunca teve, o bom senso: reconhecer que certas coisas são eternas na origem e que não é preciso reformá-las para que pareçam modernas. Um pensamento que vale tanto para a qualidade da sátira de Mel Brooks e Buck Henry como também para o que eles queriam ridicularizar – a tolice e a doidice.
Piadas que a série inventou e o filme aproveitou
C.O.N.T.R.O.L.E. e K.A.O.S.
São organizações arquiinimigas.
O C.O.N.T.R.O.L.E., que Maxwell Smart integra, é a do bem. A K.A.O.S. é a do mal, à qual pertence o grande rival de Smart, o vilão Siegfried. A intenção era que os nomes fossem acrônimos, mas os criadores Mel Brooks e Buck Henry nunca conseguiram bolar um significado para as iniciais
AGENTE 99
Nos primeiros roteiros, a paciente parceira de Smart se chamava Agente 69 – escolha vetada pela censura da época por ser sexualmente sugestiva
SAPATOFONE
É um exemplo típico do humor de Brooks: nada mais idiota do que ter de descalçar o sapato direito para falar ao telefone com o Chefe. Outro aparelho igualmente estúpido é o rádio colocado em um dos dentes, que capta só o que o seu usuário diz e nada à sua volta
CONE DO SILÊNCIO
Na série, um cone de acrílico descia sobre Maxwell Smart e o Chefe quando eles discutiam assuntos sigilosos. No filme, ele foi substituído por um cone de plasma, ainda mais inútil, já que impede que um interlocutor ouça o que o outro diz
AGENTE 13
Era uma das piadas recorrentes da série, já que vivia sendo postado em esconderijos improváveis, como gavetas, caixas de correio e lavadoras. No filme, Bill Murray faz uma ponta como o infeliz agente, colocado de vigia dentro do oco de uma árvore