Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 07, 2008

Ensaios Reunidos, de Samuel Rawet

Canção do exilado

Pioneiro da ficção judaica no Brasil, Samuel Rawet 
ganha uma edição digna de sua estranha obra


Jerônimo Teixeira

Tadashi Nakagomi/CB

O judeu Rawet: "Não sou anti-semita, sou antijudeu"

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• Trecho do livro

Nascido em uma aldeia judaica próxima a Varsóvia, na Polônia, em 1929, Samuel Rawet tinha 7 anos quando imigrou com a família para o Brasil. Passou a infância nos arrabaldes do Rio de Janeiro, um cenário pobre e tropical muito diverso da paisagem que ele conhecera na primeira infância. Rawet parecia condenado à inadequação, à vida nas margens e periferias. Embora tenha se naturalizado brasileiro em 1936 e seguido uma proveitosa carreira como engenheiro – integrante da equipe de Oscar Niemeyer na construção de Brasília, foi responsável pelos cálculos de concreto armado do Congresso Nacional –, morreu sozinho em sua casa, em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília, em 1984. Em grande parte publicada em edições pagas do próprio bolso, a obra de Rawet – uma estranha e extraordinária coleção de contos e ensaios – ainda ocupa uma posição marginal na literatura brasileira. Por muito tempo, ele foi um autor cultuado por pequenos círculos de conhecedores que escavavam sebos à procura de títulos como Contos do Imigrante O Terreno de Uma Polegada Quadrada. Essa situação, felizmente, está mudando. A ficção de Rawet ganhou uma edição digna em 2004, com Contos e Novelas Reunidos,pela Civilização Brasileira. E agora a mesma editora está lançando Ensaios Reunidos (254 páginas; 40 reais), livro que permite uma perspectiva mais aprofundada do exílio existencial que o autor parece ter cultivado.

O leitor que está chegando agora à obra de Rawet fará melhor lendo primeiro os seus contos. Mais acessível e mais bem realizada do que a obra ensaística, a ficção de Rawet parece uma combinação impossível: o encontro do subúrbio carioca de Lima Barreto (escritor que ele admirava) com o shtetl(aldeia judaica) de Isaac Bashevis Singer (como Rawet, um judeu polonês que se exilou no Novo Mundo). A junção desses dois universos, porém, nunca é pacífica. Os contos narram experiências de choque e desentendimento – em A Prece, por exemplo, a velha judia que reza por seus mortos causa estranhamento entre os vizinhos, que invadem a sala de sua casa para verificar que estranho ritual é aquele. Os ensaios também apontam o estrangeirismo fundamental de Rawet, e o fazem de modo mais pessoal (por exemplo, nas confissões íntimas deHomossexualismo: Sexualidade e Valor), ainda que com menos arte (em muitos trechos, os ensaios abusam de um jargão filosófico existencialista que ficou datado). Especialmente perturbador é o texto que leva o pitoresco título de Kafka e a Mineralidade Judaica ou a Tonga da Mironga do Kabuletê. Há muito pouco sobre Kafka ali (assim como nada de específico é dito sobre Carlos Drummond de Andrade em Drummond: o Ato Poético). O texto é um raivoso (e em verdade impraticável) rompimento com a condição judaica. "Não sou anti-semita, sou antijudeu", diz Rawet, em uma distinção cujo sentido não é claro. Rawet seria tachado, sim, de anti-semita por causa dessas posições esquisitas. No entanto, ele foi o primeiro escritor a incluir uma voz judaica expressiva na literatura brasileira. A pátria de Rawet foi o mal-entendido.

 

Filósofo do mundo cão

"Vibro com o grito do vendedor de jornais. A camisa larga, solta, aberta, entra no café, ultrapassa a seção de frutas, biscoitos e cigarros, e junto às mesas lança sua pregação: um macaco serviu de parteira, uma velha trucidou a enteada por ciúmes, um fuzileiro deu machadadas no seu protegido em uma hospedaria da Lapa, um cantor famoso envolvido num escândalo de drogas e tráfico sexual ilícito. Porque há o lícito. Guardo o nome do vendedor de jornais: Elias Gomes. É bem mais importante do que muita besta erudita. É mais importante que qualquer filósofo."

Trecho do ensaio Homossexualismo: Sexualidade e Valor

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