Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 07, 2008

As teorias alopradas de Slavoj Zizek

Um revolucionário bufão

O filósofo esloveno que adora uma referência 
pop e uma boa piada grosseira quer ressuscitar
a ditadura do proletariado no século XXI


Jerônimo Teixeira

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Exclusivo on-line
Trechos dos livros
• Mao – Sobre a Prática e a Contradição
• Robespierre – Virtude e Terror

Sentado no que parece ser um escritório universitário, com uma pesada estante de livros às costas, um senhor barbudo está explicando – em inglês fluente, mas com um carregado sotaque da Europa Oriental – os elementos fundamentais da psicanálise lacaniana. Como o assunto é abstrato, ele concede ao espectador um exemplo concreto. "Tomemos uma das grandes realizações da civilização ocidental: A Noviça Rebelde", diz. Nesse ponto, o espectador do filme (sem versão no Brasil) The Reality of Virtual – registro de um longo monólogo psicanalítico-filosófico do esloveno Slavoj Zizek, de 59 anos – aperta o rewind para ouvir de novo. Então um dos luminares da esquerda do século XXI acha que o musical com Julie Andrews compete taco a taco com a Capela Sistina, os quartetos de Beethoven e a teoria da relatividade de Einstein? Parece haver um meio sorriso irônico, oculto pela barba ursina de Zizek, quando ele fala em "grandes realizações da civilização ocidental". Mas, quando se trata de Zizek, é sempre difícil discernir o que deve ou não ser levado a sério. Esse é o aspecto estimulante, divertido até, de seus livros e ensaios. Sob a pirotecnia de suas citações e o bizantinismo de sua linguagem, porém, ocultam-se algumas das teses mais empoeiradas da esquerda. A idéia monstruosa de que o terror político compensa, se praticado em nome da revolução, é ressuscitada em dois ensaios que Zizek escreveu como apresentação para coletâneas de textos programáticos de revolucionários históricos: Mao – Sobre a Prática e a Contradição (tradução de José Maurício Gradel; 236 páginas; 39,90 reais) e Robespierre – Virtude e Terror (tradução de José Maurício Gradel; 236 páginas; 39,90 reais), recém-lançados no Brasil pela Jorge Zahar.

Maximilien Robespierre (1758-1794), o mais sanguinário líder do terror jacobino (e que acabou, ele mesmo, liquidado pela guilhotina), e Mao Tsé-tung (1893-1976), ditador responsável direto pela morte de 70 milhões de chineses, são referências teóricas, filosóficas e, pasme o leitor, até mesmo éticas para Zizek. Desejoso de recuperar o terror jacobino para o século XXI, o filósofo esloveno prega que os marxistas abracem com fervor o seu passado, incluindo o legado de Lenin e Stalin. E preconiza até, aparentemente sem ironia, a "reativação de uma das figuras do terror revolucionário-igualitário" – o informante que delata infratores às autoridades.

O dado curioso é que Zizek conheceu de perto a opressão comunista. Cresceu na Iugoslávia de Tito e foi testemunha da chamada Primavera de Praga, revolta contra o jugo soviético na então Checoslováquia, em 1968 – estava em uma confeitaria, comendo uma torta de morango, quando os tanques soviéticos entraram em Praga. Nos anos 80, quando os regimes comunistas da Europa Oriental começaram a dar sinais de decrepitude, Zizek tornou-se um dissidente, militando na oposição. Embora tenha assumido uma posição reticente quanto à independência da Eslovênia, consagrou-se como um pensador político eminente no país que emergia do esfacelamento da velha Iugoslávia. Chegou perto de ser eleito para um cargo político na primeira eleição democrática da Eslovênia, em 1990. Zizek, porém, não acredita em democracia. Ficou feliz por não ter enveredado pela política. Prefere a docência na Universidade de Liubliana, capital da Eslovênia – onde não precisa sequer dar aulas. Já recebeu propostas de trabalho em universidades dos Estados Unidos, mas sempre as recusa. "Por que, se tem um trabalho em que não faz nada, você o trocaria por outro em que tem de trabalhar?", disse Zizek, em um perfil na revista americana The New Yorker. O filósofo, porém, até que trabalha bastante: apesar de estar sempre na estrada, dando conferências pelo mundo todo (deve vir ao Brasil em breve), ainda encontra tempo para publicar dois, três livros por ano.

Divulgação
Slavoj Zizek, marxista internacional: por que mudar
de emprego, se no cargo atual ele nem precisa trabalhar?

Ao lado de Karl Marx, o francês Jacques Lacan é um dos alicerces teóricos de Zizek. Conhecido por sua prosa inextricável, eivada de fórmulas pseudomatemáticas para impressionar os incautos, Lacan tentou casar as teorias de Freud com o estruturalismo francês dos anos 60. A "ditadura do proletariado" que Zizek pretende reavivar não estava entre as preocupações desse psicanalista (famoso também pela cupidez com que cobrava de seus pacientes). Quem diz que Zizek se preocupa com coerência teórica? Afinal, esse é o homem que recorre à rigorosa ética kantiana para defender a criminosa política leninista. Ele é insuperável em paradoxos cultivados. No mesmo texto, é capaz de afirmar a indestrutibilidade do capitalismo, para em seguida exaltar o esforço de Hugo Chávez na construção do socialismo bolivariano. Também é fã de uma analogia selvagem. Para atacar a dupla jornada de especulador e filantropo do capitalista George Soros, por exemplo, ele o compara a um produto que conjuga as propriedades contraditórias de ser engordativo e dietético ao mesmo tempo: o chocolate laxativo. Com seu figurino proletário – sempre de calça jeans e camisa de lenhador –, seu humor meio grosseirão e suas referências pop defasadas (como A Noviça Rebelde), Zizek encarna, na aparência, a renovação intelectual do marxismo, combalido desde o colapso da União Soviética. Será difícil encontrar, porém, uma idéia efetivamente inovadora em sua obra. Ele apenas recicla o repertório de falácias da esquerda.

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