Tudor diet
Maria Bolena foi amante de Henrique VIII antes de sua
irmã Ana. Mas A Outra tira o sal dessa história suculenta
Isabela Boscov
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Durante os 118 anos da dinastia Tudor, entre 1485 e 1603, a Inglaterra passou de um reino instável, sempre acossado pelos interesses ora da França, ora da Espanha, a uma superpotência: o País de Gales foi incorporado à sua estrutura administrativa, a Irlanda foi pacificada, o inglês se tornou a língua nacional de fato, as artes floresceram, seu poder político se separou em definitivo da Igreja de Roma, o país se abriu às navegações e a riqueza se multiplicou, assim como sua influência esmagadora sobre o cenário global. Sob Henrique VIII e, em especial, sob sua filha, Elizabeth I, a Inglaterra se tornou, em suma, uma nação, e definiu muito do que até hoje constitui sua identidade. No que toca à ficção histórica, porém, esses feitos pouco interessam; para ela, o que distingue os Tudor é a sua capacidade inesgotável para a intriga.– tanto a política quanto a sexual, até porque poucas famílias reais misturaram sexo e poder de forma tão intensa e criativa. Por causa dessa imagem, Henrique VIII e Elizabeth I são disparado os reis preferidos para fins de entretenimento; e por causa dela também os roteiristas se sentem autorizados a perpetrar bobagens como A Outra (The Other Boleyn Girl, Inglaterra/Estados Unidos, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país.
A outra, no caso, é Maria Bolena, irmã pouco mais nova da notória Ana Bolena – a cortesã por quem Henrique VIII se divorciou da rainha Catarina de Aragão e rompeu com o papa. Maria passou antes de Ana pela cama do rei e é possível que tenha tido dele um filho, que não ganhou o sobrenome Fitzroy dado aos bastardos reconhecidos pelo rei porque, a essa altura, a campanha para tornar Ana Bolena rainha andava a toda – e até para os padrões de rotatividade de Henrique VIII pegaria mal assumir um filho da irmã de sua noiva. A história mostraria que Maria teve sorte: após alguns anos de casamento, Henrique VIII se cansou de Ana e executou a ela e a seu irmão, George, com uma acusação estapafúrdia de incesto. A caçula só escapou ilesa da perseguição por estar já casada de novo, em obscuridade e sem favor na corte.
Reunindo o pouco que se sabe de Maria ao muito que é conhecido sobre Ana e adicionando à mistura alguma imaginação fundamentada, a escritora Philippa Gregory fez de A Irmã de Ana Bolena um romance repleto de detalhes saborosos sobre os costumes do período e escrito em uma prosa que não ofende. Acima de tudo, o livro (lançado aqui pela Record) contém fartas doses de maquinação – o esporte por excelência das cortes – e de ambição nua. Tudo o que a autora urdiu, o roteirista Peter Morgan, de A Outra, desmancha em sua adaptação. As Bolena juntaram seu destino ao do rei dentro de um quadro épico de disputa pelo poder; no filme, tudo se resume a uma rivalidade entre irmãs. Vá lá, que irmãs: juntas, a loira Scarlett Johansson, como Maria, e a morena Natalie Portman, como Ana, atendem à provável totalidade dos sonhos de consumo do público masculino (Eric Bana, como o ainda atlético e atraente Henrique VIII, faz as honras junto à platéia feminina). Não que Morgan aproveite a contento o potencial desse trio – a série de televisão Os Tudor é muito mais picante –, ou a crueza das intrigas que Philippa desenha em seu livro. Quando escreveu A Rainha,com Helen Mirren no papel de Elizabeth II, Peter Morgan não economizou na ferocidade; para A Outra, ele achou que beleza e suspiros já dariam conta do recado. Os Tudor, porém, foram mais.