Por mais que os ex-diretores da Agência Nacional de Aviação Civil sejam motivados pelo ressentimento e tenham se submetido aos ditames da relação promíscua entre governo e Anac enquanto lá estiveram, seus relatos são claros.
Não há como encaixá-los na tese da conspiração do “fogo amigo”, outra vez servida pelo Palácio do Planalto para ganhar tempo enquanto busca uma versão para justificar o que não consegue explicar de pronto.
Denise Abreu denunciou ao Estado, Leur Lomanto e Jorge Velozo confirmaram, que em 2006 a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ordenou à Anac que ignorasse exigências legais relativas aos sócios brasileiros da VarigLog, interessada em comprar a Varig.
Na outra ponta, o comprador havia tomado suas providências, dando R$ 5 milhões ao advogado Roberto Teixeira - compadre e figura onipresente na trajetória de Luiz Inácio da Silva do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo ao Palácio do Planalto - para ativar suas influências e acelerar a operação.
Trata-se, pois, de negócios e não de política, área de especialização do “fogo amigo”.
O governo nega as acusações, mas não desmonta as evidências. É comedido no oficial enquanto espalha as histórias de sempre sobre as maquinações internas do PT e o oportunismo da oposição, que se aproveita para atingir o presidente da República.
Muito bem, mas a constatação óbvia de que o alvo de um opositor é sempre o seu adversário não resolve. Há muito para ser explicado.
A ingerência indevida do poder político do governo numa instância administrativa de regulação do Estado já restou provada. O caráter infrator está presente tanto quanto esteve na iniciativa de produzir um dossiê dos gastos de Fernando Henrique Cardoso.
Dentro da Casa Civil, está claro, transgride-se. Falta agora esclarecer em nome do quê, por ordem de quem e para atender a quais interesses o gabinete encarregado de coordenar as ações de governo transpõe a fronteira da legalidade, da moralidade e da impessoalidade com tanta freqüência e desenvoltura.
O presidente Lula denuncia, por meio da assessoria, planos para atacá-lo. Deve saber o que diz. No caso do dossiê não eram as contas de Dilma - e sim as da Presidência - que precisavam ser mantidas à distância da CPI a poder de um dossiê.
No episódio da pressão sobre a Anac tampouco era o compadre da ministra o advogado de defesa da parte interessada em atropelar as regras do jogo.
Tradição
Fruto da doutrina petista, a interferência nas agências reguladoras dá a medida de onde estaria a economia se o PT tivesse chegado ao poder antes do Plano Real e aplicado suas teorias de raiz no Brasil da inflação.
Troca de guarda
O único fato novo ocorrido antes de o governador Sérgio Cabral retomar a candidatura de Eduardo Paes à Prefeitura do Rio foi o golpe de misericórdia da Polícia Federal no poder político de Anthony Garotinho.
Comandante-chefe do PMDB fluminense até ser apontado como chefe da quadrilha descoberta pela PF na Secretaria de Segurança Pública, Garotinho comandou, junto com o presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Picciani, o veto ao nome de Paes.
Depois de tirá-lo do PSDB com a promessa de fazer dele o candidato do PMDB, o governador rendeu-se ao óbice da ala Garotinho. Sem alternativa, embarcou na aliança em torno do candidato do PT, Alessandro Molon.
Em março, dourou o gesto como a celebração, no plano regional, da coligação federal entre o PT e o PMDB. Estava assim, na versão de Sérgio Cabral, selada sua união com Lula.
Então, suspeitarão os lógicos, nesse meio tempo houve algo de anormal entre o governador e o presidente para justificar tão abrupta mudança de planos.
Não obstante sensato, o raciocínio é apenas um raciocínio. Na realidade, a aliança entre presidente e governador nunca teve nada a ver com o estranho acerto em prol de Molon, o último colocado nas pesquisas.
Lula queria ver Sérgio Cabral longe do DEM do prefeito Cesar Maia. Isto posto, o presidente continuou demonstrando apreço pelo senador Marcelo Crivella, o primeiro nas intenções de voto, e o governador aproveitava uma impossibilidade local para renovar a fidelidade nacional.
Até que Garotinho caiu na malha da PF e a chance de Cabral se apresentou. Jorge Picciani, de ferrenho opositor ontem já posava de fiel defensor da candidatura Eduardo Paes. Sinal eloqüente da troca de comando no PMDB do Rio de Janeiro.
Para quem não é do Rio: a explicação oficial de que a quebra do acordo na capital se deve a desacertos entre PT e PMDB no município de Queimados, na Baixada Fluminense, equivaleria mais ou menos ao governador José Serra atrelar as articulações da candidatura a prefeito de São Paulo às conveniências do PSDB em Carapicuíba.