Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 12, 2008

Dora Kramer - O civismo do vizinho





O Estado de S. Paulo
12/6/2008

O Tribunal Superior Eleitoral foi muito criticado por não ter avocado a si a missão de vetar o registro de candidatos com folhas corridas na polícia e na Justiça. O TSE convalidou a legislação em vigor e, portanto, quem não for condenado em última instância pode se apresentar ao escrutínio do eleitor.

O mundo quase caiu na cabeça do tribunal. Em toda parte ouviram-se críticas, reações de surpresa pelo que soou como um recuo ao ativismo cívico recentemente adotado pelos magistrados de tribunais superiores, um desencanto geral.

Como se o Poder Judiciário de repente fosse o único e o último responsável pela solução das mazelas nacionais, encarregado de corrigir todas as deformações, ainda que para isso transgrida a lei.

As intenções dos ministros cujos votos foram vencidos - Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Felix Fischer - foram as melhores possíveis. Mas esbarraram nos argumentos intransponíveis dos ministros Eros Grau - “A ética do sistema jurídico é a ética da legalidade” - e Caputo Bastos - “O tribunal não pode substituir o legislador”.

Não há estranheza na posição tomada pelo TSE, nem mesmo recuo em relação à disposição do Judiciário de, quando convocado, interpretar e aplicar a lei à luz dos melhores costumes.

O que há é uma percepção equivocada a respeito da função do Judiciário e uma visão ainda mais deturpada sobre os papéis dos demais personagens da vida institucional do País.

O Poder Legislativo, por exemplo.

Seria dele a tarefa de criar novas balizas para a questão, de forma a dar à Justiça Eleitoral sustentação para rejeitar o registro de candidaturas de gente processada ou investigada em inquéritos policiais.

Mas considerando que, segundo a última conta, um em cada quatro parlamentares federais não estaria apto para prestar um concurso público, a realidade de fato não convida ao otimismo.

Os partidos políticos, por exemplo.

Eles estabelecem as próprias normas nos respectivos estatutos, que poderiam perfeitamente incluir a exigência de ficha limpa como pré-requisito aos interessados em se candidatar a cargos eletivos por suas fileiras.

Não bastaria, claro, escrever a norma, seria indispensável cumpri-la sem abrir exceções. Nem para os apaniguados das oligarquias controladoras das agremiações.

Na teoria é bonito, mas na prática é muito difícil, quase impossível. Na última segunda-feira, o Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, durante um seminário que reuniu juízes, promotores e advogados eleitorais na sede da Ordem dos Advogados em Brasília, lançou um desafio aos partidos.

Pediu que se comprometessem a orientar seus diretórios e convenções municipais a rejeitar filiações e candidaturas de pessoas acusadas de crimes graves, atos de improbidade ou que tenham renunciado a mandatos em função de processos por quebra de decoro parlamentar.

Das quase três dezenas de partidos existentes no País, seis aceitaram a empreitada: PMN, PV, PTB, PHS, PCB e PRB. Onde os grandes? Postos em sossego, desinteressados do debate.

O eleitorado, por exemplo.

Nem todos os 80 milhões de eleitores brasileiros estão de posse dos instrumentos necessários para discernir entre os bons, os maus e os razoáveis candidatos. Boa parte, porém, talvez a maior, tem acesso a variadas fontes de informações e dispõe de perfeitas condições para saber quem é quem na hora de votar.

Muito mais eficaz que o controle do Judiciário é a fiscalização social que, no entanto, só existe quando o cidadão sai do comodismo, troca a atitude passiva por uma posição ativa e percebe que fazer cara de nojo e berrar no botequim contra “tudo isso que está aí” alivia, mas não resolve.

Se a idéia é melhorar, o primeiro passo é se interessar pelos assuntos. Culpar o tribunal eleitoral é ignorar os limites das instituições.

O TSE na terça-feira respondeu a uma consulta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Sem incorrer no risco de extrapolar, precisava se ater ao conteúdo da pergunta, assim formulada: “É possível o registro de candidato que responda a processo criminal, ação de improbidade administrativa ou ação civil pública, ainda que sem decisão condenatória definitiva e mesmo não havendo disciplina normativa a respeito?”

Dúvida apresentada sob medida à resposta desejada. Um monumento à má-fé, partindo de um Poder que, se quisesse, já poderia ter criado “disciplina normativa a respeito”.

Rede de proteção

Pela primeira vez contundente em relação à candidatura de Dilma Rousseff em 2010, o presidente Lula ontem pôs a ministra debaixo das asas da própria sucessão no momento em que a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil Denise Abreu era veemente ao confirmar no Senado ter sido pressionada pela ministra para ignorar exigências legais na operação de venda da Varig.

Pode ser coincidência, mas não parece.

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