Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 12, 2008

Merval Pereira - Retrocesso no TSE


Merval Pereira - Retrocesso no TSE


O Globo
12/6/2008

Mais uma vez frustraram-se as expectativas de que as eleições municipais deste ano pudessem ser um marco divisório na vida política brasileira em relação ao registro de candidatos que respondem a processos ainda não transitados em julgado. Ao contrário do que se previa, no primeiro julgamento sobre o assunto, suscitado por uma questão administrativa do TRE da Paraíba, o Tribunal Superior Eleitoral (TST) decidiu, por uma maioria apertada, que a vida pregressa de candidatos não pode ser motivo de impugnação de candidaturas. Continua prevalecendo, portanto, a regulamentação da lei eleitoral que determina que apenas com a condenação em instância final, sem chances de recorrer da decisão, uma pessoa pode ser impedida de se candidatar.

A decisão representa um retrocesso na Justiça eleitoral, que já havia formado um consenso em torno do tema. Um encontro, em Natal, do colégio de presidentes de tribunais regionais eleitorais de todo o país havia determinado que prevaleceria a interpretação de que não se pode deferir registro de candidatura quando existe prova de vida pregressa que atenta contra os princípios constitucionais da moralidade, que deveriam reger o serviço público.

Essa interpretação já fora vencida por um voto no Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2006, quando a candidatura de Eurico Miranda foi impugnada pelo TRE do Rio de Janeiro, juntamente com outras.

Quando o recurso foi julgado no TSE, três juízes apoiaram a decisão do Rio, e quatro votaram contra. Entre os três favoráveis naquela ocasião apenas um era ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto, que hoje preside o TSE e, na votação atual, manteve seu voto, com raciocínio linear.

Segundo seu voto, ninguém contrata para sua casa, ou para sua empresa, uma pessoa que não tenha uma referência abonadora do seu passado, na mesma linha dos que estranham o fato de que, para fazer o concurso público um candidato não pode estar respondendo a processos, mesmo na primeira instância, ao passo que, para ser candidato a parlamentar, o mesmo cidadão estaria liberado pela Justiça Eleitoral.

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, desembargador Roberto Wider, um pioneiro da tese de que uma lei não pode se sobrepor à Constituição, que estabelece o princípio da moralidade, não se abateu com a decisão do TSE.

Segundo ele, quando forem apresentados casos concretos, os ministros poderão mudar de entendimento. O presidente do TRE havia feito uma reunião com os partidos políticos na semana anterior exatamente para avisar que no Rio seria usado o critério de "moralidade" para analisar as candidaturas nas eleições municipais.

Mas naquela ocasião já havia a indicação de que essa postura não vingaria, pois os advogados dos partidos alegavam que não havia base legal para essa postura, e nenhum dos presidentes dos grandes partidos compareceu à reunião, o que provocou uma admoestação de Wider aos seus representantes.

Outro ministro do Supremo que hoje compõe o TSE, Joaquim Barbosa, também votou a favor da impugnação. Mas essa tese não é unanimidade no Supremo, pois o ministro Eros Grau, outro novo componente do TSE, foi voto contrário, e sua opinião prevaleceu. Segundo ele, o Poder Judiciário não pode estabelecer critérios para avaliar a vida pregressa dos cidadãos e tem que trabalhar dentro da legislação vigente.

A adoção da interpretação de que o critério de moralidade deveria prevalecer na análise das candidaturas, segundo Grau, estabeleceria o caos, e o TSE estaria legislando.

É possível que a questão suba até a análise do Supremo Tribunal Federal, pois há uma tendência forte entre os juízes eleitorais, que começou no Rio, mas se alastrou pelo Brasil, para interpretações inovadoras como a da proporcionalidade, conceito jurídico que veda o excesso da lei, mas também exige que ela tenha força suficiente para garantir as exigências constitucionais.

Esses juízes consideram que Lei Complementar sobre inelegibilidades, que exige trânsito em julgado de todos os processos para embargar uma candidatura, não corresponde ao espírito da Constituição, que exige garantia da probidade e da moralidade no exame das condições para representação política, e como medida de legitimidade das eleições.

Por essa interpretação, que foi utilizada em 2006 pelo procurador eleitoral Rogério Nascimento, do Rio, como a Lei Complementar não oferece proteção suficiente aos princípios constitucionais, deve ser declarada inconstitucional.

O parecer de Nascimento, que deu base para a impugnação de vários candidatos na eleição para o Congresso em 2006 e que foi rejeitada pelo TSE naquela ocasião, decisão e reafirmada novamente agora, afirmava que "não cabe nenhuma dúvida quanto ao fato de que a Constituição impôs ao legislador complementar um dever de proteção da probidade administrativa, da moralidade para o exercício do cargo, da normalidade e da legitimidade das eleições".

Provavelmente a decisão do TSE será uma ducha de água fria nos diversos tribunais regionais, que já começaram a trabalhar com base na tese da moralidade. Mesmo assim, é quase certo que os TREs continuarão a impugnar certas candidaturas, em busca de um recurso até o Supremo. Essa dissonância entre as diversas instâncias da Justiça pode gerar uma crise política na eleição municipal deste ano.

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