A rigor, tal reunião seria absolutamente desnecessária, bem como seriam dispensáveis lições para ensinar o que os ministros podem ou não fazer sem incorrer no risco de punições.
Pelo simples fato de que nenhum deles ignora o significado das expressões uso da máquina e abuso de poder. Para quem tem bom senso e um mínimo de disposição de respeitar a lei nada precisa ser dito além dessas poucas e muito objetivas palavras.
Ao agente público é vedado o uso do aparelho administrativo em situações que caracterizem favorecimento de cunho eleitoral, pois, neste caso, o ocupante de cargo ou da função estará abusando do poder a ele conferido pelo Estado.
Como são tênues os contornos de determinadas situações, durante as campanhas eleitorais a lei simplesmente veda aos governantes o uso de seus poderes para distribuir benefícios. Não podem inaugurar obras, aumentar salários de servidores, demitir ou contratar funcionários, contratar shows, assinar convênios, liberar recursos de emendas ao Orçamento, nada que assinale a utilização da máquina pública.
O legislador quando elaborou as leis e a Justiça quando as interpretou e baseada nelas determinou as balizas de conduta não estavam acometidos de "falso moralismo", como disse o presidente Lula em seus ataques na última sexta-feira. Estavam apenas tentando garantir razoáveis condições de igualdade entre candidatos de situação e de oposição.
É provável que a "hipocrisia" apontada pelo presidente decorra da experiência própria. Lula sabe que, a despeito da legislação, quando o governante não tem moderação institucional nem maiores compromissos morais, ele sempre encontrará um jeito de burlar a norma escrita.
Agora, não é a fraqueza de caráter deste ou daquele que pode justificar a suspensão total das regras. Ou o inverso: o pressuposto da inocência geral até prova em contrário tampouco torna aceitável o império do cada um por si porque vencerá sempre o mais forte.
Queira o bom senso que Lula não tenha se expressado bem e aquele raciocínio sobre "o lado podre da hipocrisia brasileira" que impede um presidente de fazer de sua caneta o que bem quiser por três meses em quatro anos de mandato não signifique a defesa da ausência pura e simples da lei.
Todos os ministros ontem reunidos no Palácio do Planalto são pessoas experientes, muitos carregam várias eleições nas costas. Dispensam mapas para enxergar perfeitamente bem onde se localiza a fronteira do abuso a ser teoricamente respeitada.
Os candidatos da mesma forma. Ou Marta Suplicy não sabe que se vale da máquina federal quando chama ministros para participar de "debates temáticos" em São Paulo?
Sabe tanto quanto o prefeito Gilberto Kassab tem ciência da vantagem de ter podido rodar a cidade de braço dado com o governador José Serra inaugurando obras e contar com a companhia das máquinas municipal e estadual.
Os casos de dúvida podem ser resolvidos com bom senso, um pouco de princípios éticos para quem dispuser deles e, no limite, há sempre a legislação eleitoral disponível para consultas.
Qualquer coisa fora disso é transgressão. A invenção de normas, cartilhas e discussões como a de ontem em tese atendem à ética. Na prática, servem apenas de espaço publicitário para debater um assunto a respeito do qual não cabe falar, cumpre fazer.
Quanto a isso, o presidente já externou seu contragosto, apontando "falso moralismo" na lei. Faltou perceber o quanto há de hipocrisia no ato de reunir ministros para ouvirem o faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço, em tom de ordem unida.
Obsequioso
Faz duas semanas que o ex-governador Anthony Garotinho, presidente do PMDB do Rio, foi apontado pelo Ministério Público como chefe de uma quadrilha que atuava no aparelho de segurança pública do Estado e até agora o partido não se manifestou.
Nenhuma liderança do PMDB - a começar pelo governador Sérgio Cabral - manifestou solidariedade a Garotinho. Mas nenhuma delas impôs qualquer reparo a ele nem ao deputado estadual Álvaro Lins, preso em flagrante sob acusação de lavagem de dinheiro.
O partido não disse se achou feio ou bonito o ocorrido.
Não se trata de um episódio qualquer nem de um personagem secundário da vida recente do partido. Não faz ainda dois anos, o PMDB, mais exatamente a ala que viria a aderir ao governo Lula, cogitava apresentar Garotinho ao eleitorado como candidato à Presidência da República.
O silêncio obsequioso ou é sinal de muito amor ou tradução de muito temor do PMDB por Garotinho.