Quando faz o certo, o governo às vezes se enreda em contradições e/ou enganações. Quando diz, por exemplo, que o aumento do superávit primário, de 0,5% do PIB, formará o patrimônio do Fundo Soberano do Brasil, o ministro Guido Mantega produz uma dessas inconsistências. Se irá para o Fundo, para ser usado em outras despesas, não fará superávit primário.
Outra inconsistência é alardear que a disponibilidade de R$ 65 bilhões para financiamento da produção agrícola vai ajudar a derrubar a inflação.
Os dirigentes da indústria afirmam, com certa razão, que, contra a inflação de demanda (que ocorre quando o consumo segue à frente da oferta), o melhor remédio é o aumento da produção.
A dose de equívoco fica clara quando se leva em conta que não é sempre que se consegue aumento da produção em volume tal que preencha o hiato de mercado. É necessário mais investimento, mais matéria-prima, mais capital de giro... E põe mais nisso.
Não é à toa que o PIB brasileiro dificilmente cresce mais que 5% ao ano. E, quando não é possível garantir aumento de oferta para equilibrá-la com a procura, não há outro jeito senão derrubar a procura. O Banco Central está encarregado de fazer isso com a calibragem dos juros.
Na agricultura, há outras limitações. Uma delas está amarrada ao teor de verdade das declarações do ministro Mantega. Ele tem observado que a maior parte da inflação brasileira tem a ver com a alta dos alimentos e que esta é formada nas bolsas internacionais de mercadorias. Ou seja, para a formação dos preços internos não importa o volume adicional de alimentos produzido no País. Abundantes ou não, eles tenderão sempre a ser negociados internamente com base na cotação internacional da hora.
Isso significa que a maior safra de grãos poderá, sim, contribuir para aumentar o faturamento com exportações, mas pouca influência terá sobre os preços globais e, portanto, sobre o comportamento da inflação interna.
A outra limitação é a mesma que atinge a indústria. Os grandes saltos na produção agrícola são excepcionais. E dependem de condições ótimas da meteorologia, da disposição do produtor, da oferta de fertilizantes, da disponibilidade de terras - e por aí vai.
É por levarem em conta essas limitações que alguns analistas sugerem que o governo adote aqui os mecanismos usados na Argentina para garantir abastecimento e preços baixos. Trata-se de impor um confisco (Imposto de Exportação) ao faturamento com o alimento exportado de forma a levar o produtor a vender internamente ao mesmo preço que obteria com suas exportações submetidas ao confisco.
Mas a proposta desestimularia a produção e é politicamente inviável. Seria uma inconsistência ainda maior.