Mágica na cozinha
Para acabar com a monotonia dos cardápios
de regime, nutricionistas chiques atendem
em casa e transformam receitas engordativas
em pratos de poucas mas saborosas calorias
Sandra Brasil
Fotos Lailson Santos |
Alessandra, Cristina, Maria Pia e Christiane (da esquerda para a direita), que, para manter os clientes na linha, fazem atendimento domiciliar, treinamento de empregados domésticos e fiscalização pela internet e por mensagem de celular: siga os conselhos delas |
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Quem decide fazer regime convencional, aquele em que a pessoa simplesmente come bem menos do que gostaria, sofre duplamente. Primeiro, com a restrição calórica em si. Segundo, com a monotonia alimentar. Dá um aperto no estômago só de pensar que num dia é aquele desenxabido peito de frango grelhado com legumes no vapor e no outro, para variar, o insosso peixe grelhado acompanhado de salada (no jantar, descortina-se toda a ampla gama gastronômica que vai da sopa sem nada de gordura à gelatina diet). No combate à insipidez do cardápio, responsável por boa parte dos regimes fracassados, existe um exército quase secreto de mulheres bonitas e saudáveis que conciliam o diploma universitário com o avental. São as nutricionistas que trocaram o papel secundário nos consultórios dos endocrinologistas pelas cozinhas de clientes dispostos a pagar qualquer preço (mesmo, como se verá a seguir) para comer pouco, porém com sabor e variedade. Em busca de versões menos calóricas para receitas da culinária tradicional, elas adaptam para regime pratos como quiche, panqueca, musse e moqueca. Para substituírem ingredientes engordativos, fazem truques de prestidigitação culinária em que palavras desanimadoras como chuchu e abobrinha não aparecem na descrição do cardápio, mas se infiltram habilmente nos pratos. Tome-se, por exemplo, o tagliatelle com camarões da nutricionista carioca Christiane Rodrigues, 35. Para cada terça parte de massa, ela acrescenta dois terços de abobrinha cortada em tiras bem finas. "Fica com aparência de macarrão e deixa a receita 30% menos calórica. Dieta sem cara de dieta não é sacrifício", diz. "Tem sempre algo como o chuchu, que dá volume sem interferir no sabor", concorda outra especialista em magia culinária, Cecilia Corsi, 49, de São Paulo.
Na polenta com molho de carne magra adaptada por Cecilia, o fubá divide espaço com a abóbora, que, por causa da textura macia, dispensa o uso de manteiga. O resultado é que duas colheres de sopa têm 57 calorias, metade do valor calórico da polenta comum. Na mesma linha do parece mas não é, o arroz fantasia não passa de couve-flor cozida, picada e temperada com alho, cebola e salsa. São apenas 34 calorias em três colheres de sopa, contra 110 do arroz de verdade. O falso arroz é indicado para acompanhar pratos com molho, como o estrogonofe de frango – no qual, evidentemente, o suculento creme de leite é substituído por um magrinho requeijão light. Os truques de Cecilia são amplamente utilizados no serviço pioneiro que ela criou há um ano e meio: a marmita diet, um sistema sem congelados nem preocupações. Sua empresa entrega todo fim de tarde, em casa, uma sacola térmica com as seis refeições que o cliente deverá consumir no dia seguinte. Para mulheres saudáveis em dieta de restrição calórica, os pratos somam em média escassas 1 000 calorias e o cardápio é sempre surpresa(veja um exemplo). Preço algo salgado: 55 reais por dia, inclusive nos fins de semana, quando, "para alegrar a dieta da fofa", Cecilia inclui agradinhos como um cookie feito de proteína de soja texturizada. Apesar da descrição nada animadora, o resultado é surpreendentemente bom. A conveniência de ter todas as refeições à mão, sem sequer o trabalho do descongelamento, conta mais ainda. "O mais importante é a praticidade. Levo a sacolinha para a clínica e como lá", diz o oftalmologista Luiz Carlos Guarnieri, 65, que perdeu 12 quilos nos últimos dois meses.
Cecilia Corsi, a criadora do serviço de entrega de refeições por dia: "Tem sempre o chuchu para dar volume" |
Aos 27 anos e físico esbelto, mas com boa experiência de privações, a nutricionista Alessandra Rodrigues tem como missão de vida transformar comida de regime em refeições palatáveis. "Minha mãe vivia de dieta e passei muito tempo comendo grelhados secos, legumes no vapor e salada", lembra. Alessandra estudou culinária, estagiou no restaurante de um hotel tradicional de São Paulo e hoje é uma das estrelas da nutrição domiciliar (ramo que também é chamado pelos desnecessários nomes de personal diet ou nutri home). Uma de suas maiores batalhas foi chegar a uma receita viável do filé à parmigiana (empanado em clara de ovo batida e depois assado). "Joguei muito filé fora até acertar", diz. Enquanto o salário mensal médio de uma nutricionista é de 1 616 reais, Alessandra cobra 1 300 reais por um dia de atividade na casa do cliente. Em ritmo intenso, reconheça-se: além de fiscalizar a despensa e a geladeira, prepara pratos congelados para vinte dias de regime. Alternativamente, dá um curso rápido de culinária light para a cozinheira da casa com duração de uma tarde (730 reais). Uma vez por mês, há a aula em grupo, que custa 290 reais. A nutricionista cuida do cardápio de famosos como a apresentadora Xuxa e o cantor Daniel, de famílias da política e de empresários do naipe dos Ermírio de Moraes. Apesar da agenda própria e bem remunerada, ela continua a trabalhar no consultório do cardiologista Roberto Kalil, médico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua mulher, Marisa. "Tenho um vínculo afetivo com ele e com seus pacientes", diz.
Passar até cinco horas na casa de um cliente, salvando-o das tentações culinárias, faz parte da rotina de Maria Pia Gallucci, 26. "Já atendi paciente às 10 horas da noite", conta a nutricionista, que cobra até 2 000 reais por um pacote completo de consultas e treinamento de funcionários domésticos. "Passei uma semana em Fortaleza e outra em São Luís para preparar o cardápio e treinar a cozinheira na casa de uma família. Ensinei até a fazer compras em supermercado." Um dos pratos de Maria Pia mais pedidos é o polpettone em encarnação menos calórica (peito de peru, farinha de trigo e forno). Um truque parecido é usado por Cristina Menna Barreto, 33, para seu atum com crosta de nozes. O peixe é empanado com uma colher de chá de nozes e uma porção de manjericão desidratado batidas no liquidificador e colocado no forno quente por dez minutos. As 310 calorias do preparo tradicional (farinha de rosca e ovo, frito em óleo mineral) caem para 195. Devido ao aumento de demanda, Cristina não atende mais na casa dos clientes: recebe-os em seu consultório, onde fornece orientações e pratos congelados, por 450 reais a 550 reais. Seu maior conselho a quem não pode arcar com custo parecido, nem com uma extrema variedade no cardápio, é desbravar o mundo dos temperos com destemor. "Os temperos fazem a alquimia de mudar o sabor da comida, mesmo quando o ingrediente principal se repete", diz.
No Rio de Janeiro, Christiane Rodrigues, a do tagliatelle emagrecido com abobrinha, agregou ao serviço de preparo de cardápios de dieta em casa (340 reais por três horas) a vigilância eletrônica: usa a internet e o celular para tentar manter o pessoal na linha. O monitoramento às vezes depara com certas resistências. Em resposta a uma mensagem de celular que perguntava como estava a dieta, uma paciente de Christiane respondeu em tom de desafio: "Estou comendo um leitão à pururuca com batata frita e tomando vinho. Tá bom para você?". Disciplina não é problema para a atriz Betty Faria, 67 anos muito bem conservados, cliente de Christiane há seis. "Aprendi com ela a não sair de casa sem levar a marmita com o almoço e os lanches. Assim, não como bobagem durante as gravações", diz Betty. Como faz parte de sua profissão, a nutricionista prega que a alimentação equilibrada deve ser adotada "para toda a vida", sempre com refeições leves – e gostosas – feitas a um intervalo não superior a três horas. Como, infelizmente, não existem mágicas de verdade nessa área, convém vigiar até os cardápios mais bem-comportados. "Chega ao cúmulo de ter gente que quer comida light saborosa só para comer o dobro", entrega ela. "Aí, não dá."