Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

A agonia de Yeda Crusius

A crise permanente

Denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público complicam e ameaçam o governo da tucana Yeda Crusius no Rio Grande do Sul


Otávio Cabral


Fotos Fernando Gomes/Ag. RBS/AE
A polícia gaúcha tenta conter protesto contra o governo de Yeda (à esq.): ela diz que existe uma conspiração para tirá-la do poder

Desde o dia 1º de janeiro de 2007, quando tomou posse, a governadora do Rio Grande do Sul, a tucana Yeda Crusius, não conseguiu atravessar uma semana sem enfrentar algum tipo de crise. Mal as urnas foram fechadas, ela rompeu com o vice-governador Paulo Feijó – o que parecia ser o menor dos seus problemas. O caixa do estado acumulava um déficit de 2,4 bilhões de reais em suas contas, os salários dos servidores estavam atrasados e havia uma onda de greves nos principais serviços públicos. Yeda tentou aprovar um aumento de impostos, rejeitado pela Assembléia Legislativa. Sem dinheiro, a governadora implantou um duro ajuste fiscal, demitindo servidores terceirizados, suspendendo investimentos e paralisando obras. De imediato, colheu mais greves, protestos e viu seus índices de impopularidade se multiplicar. Em um ano de austeridade, porém, o governo conseguiu cortar o déficit pela metade e retomar a capacidade de investimento. Os bons resultados deveriam começar a aparecer a partir do segundo semestre deste ano. Mas eis que surge aquele personagem que se imaginava ser um problema menor: o vice-governador Paulo Feijó. Ele gravou e divulgou conversas que revelam os métodos moralmente heterodoxos usados pelos aliados da governadora para financiar políticos e campanhas políticas com dinheiro público.

Como um ciclone, na semana passada a mais nova crise arrastou dois secretários, o representante do governo do Rio Grande do Sul em Brasília e o comandante da Brigada Militar – todos afastados por envolvimento em denúncias de corrupção. O chefe da Casa Civil, Cézar Buzatto, braço-direito da governadora, pediu demissão ao revelar, na conversa gravada pelo vice-governador, a nada inovadora fórmula que o governo gaúcho supostamente aplica para manter unida e fiel sua base de sustentação política. Segundo ele, o governo divide o comando das empresas estatais entre os partidos, que as transformam em fontes de arrecadação de dinheiro para campanhas. Como? O de sempre: superfaturando obras e serviços, manipulando licitações, privilegiando amigos. O secretário ainda ofereceu a mesma mamata para tentar convencer Paulo Feijó a esquecer o passado e relevar os problemas com a governadora. O vice-governador preferiu divulgar a oferta. Com isso, novas frentes de investigação contra o governo gaúcho foram abertas na Polícia Federal e no Ministério Público. E, no rastro do terremoto, a oposição chegou a protocolar um pedido de impeachment contra Yeda Crusius na Assembléia Legislativa.

Beto Barata/AE
O vice Paulo Feijó: "Ética é uma palavra desconhecida"


Para turbinar ainda mais a crise, a Polícia Federal divulgou trechos de escutas telefônicas de uma investigação feita no Departamento Estadual de Trânsito, que apontou um desvio de 44 milhões de reais dos cofres do órgão nos últimos cinco anos. Um secretário de Yeda Crusius, o comandante da Brigada Militar e o representante do governo em Brasília foram afastados pela governadora por suposto envolvimento no caso. O esquema de fraudes, de acordo com as investigações, começou no governo do peemedebista Germano Rigotto e continuou operando a pleno vapor na administração tucana. A quadrilha, que tinha mais de quarenta pessoas envolvidas, usava duas fundações ligadas à Universidade Federal de Santa Maria para roubar dinheiro público. Treze pessoas foram presas, entre elas o empresário Lair Ferst, filiado ao PSDB e tesoureiro informal da campanha de Yeda, apontado pela polícia como cabeça do esquema. Existe uma CPI em funcionamento na Assembléia Legislativa para apurar o caso. Os secretários do governo de Yeda envolvidos no escândalo serão convocados a depor, o que, certamente, vai potencializar ainda mais a sucessão de problemas político-policiais da governadora nos próximos meses.

Yeda Crusius herdou um governo destroçado por administrações incompetentes e irresponsáveis. Sem muitas alternativas, ela enfrentou os problemas administrativos com competência e uma boa dose de coragem, mas errou feio na operação política, ao seguir uma cartilha conhecida. Seu principal adversário, o petista Olívio Dutra, era considerado o favorito absoluto nas eleições de 2006. Para batê-lo, Yeda, apesar do discurso de moralidade e renovação, aliou-se a um grupo que tinha no currículo tudo aquilo que, se eleita, ela prometia combater: corrupção, fisiologismo, irresponsabilidade administrativa. Para consolidar uma base de apoio político, a governadora convidou partidos, como o PMDB, o PP e o PTB, para participar da administração. Em outras palavras, ofereceu cargos. O PTB, por exemplo, foi agraciado com diretorias na companhia estatal de energia. O PMDB pediu e levou a presidência do Banrisul, o banco estadual. O PP ficou com o comando do agora famoso Detran. O Tribunal de Contas e a PF investigam um desvio de 20 milhões de reais no caixa da Companhia Estadual de Energia Elétrica e outros 27 milhões dos cofres do Banrisul. O método é o mesmo usado pelo Detran do PP, desviando dinheiro por meio da contratação de serviços fictícios ou superfaturados. A conta para conseguir apoio político, ao que parece, está ficando muito alta para a governadora.


Rose Brasil/ABR
Celso Junior/AE
Luciana Genro e seu pai, o ministro Tarso Genro: governadora denuncia perseguição da "República de Santa Maria"

Transmitidas ao vivo pelo canal de TV da Assembléia Legislativa, as sessões da CPI do Detran se popularizaram e deram munição a protestos que tomaram as ruas de Porto Alegre nos últimos dias. Na semana passada, 25 pessoas ficaram feridas e doze foram presas em uma manifestação de sindicalistas, sem-terra e estudantes contra a governadora. Aproveitando o momento, a deputada federal Luciana Genro, filha do ministro da Justiça e candidata a prefeita de Porto Alegre pelo PSOL, protocolou o pedido de impeachment, que, por enquanto, tem pouca chance de prosperar. Acuada, Yeda trancou-se no Palácio Piratini e montou um "gabinete de crise" para tentar atravessar a mais nova turbulência, o que não será uma tarefa fácil. A estratégia escolhida pela tucana foi oferecer mais espaço no governo aos aliados, os mesmos que estão na gênese de toda a crise, e partir para o ataque. A governadora vê uma conspiração em andamento para tentar inviabilizar sua administração e acusa o ministro da Justiça, Tarso Genro, de liderar o movimento. "Isso é coisa da República de Santa Maria", diz ela, referindo-se à cidade gaúcha que é berço político do ministro Tarso, de sua filha Luciana, autora do pedido de impeachment, e também o lugar de origem profissional do atual chefe da Polícia Federal no estado, Ildo Gasparetto, que investiga as supostas tramóias no governo gaúcho. Tarso e Gasparetto são realmente próximos e se encontram uma vez por mês. O ministro só chama o delegado de Bill Murray, pela semelhança com o ator americano. O presidente da CPI, deputado Fabiano Pereira, também tem base eleitoral em Santa Maria. "Será que isso é coincidência? Será que é só porque todo mundo da investigação é de Santa Maria?", indaga a governadora.

Coincidências e perseguições à parte, o fato é que o governo de Yeda Crusius enfrenta graves suspeitas de corrupção. Sobre isso, aliás, a governadora pouco explica. Ela se limita a dizer que não existe corrupção no seu governo e, mesmo nos casos mais evidentes, como o do Detran, garante que as fraudes são anteriores à sua posse. Ao todo, 42 obras e projetos do atual governo estão sendo analisados pelo Tribunal de Contas do Estado por suspeita de irregularidades. Tribunal que, aliás, pode perder seu presidente em breve, também, acusado de envolvimento nos desvios dos recursos estaduais. Sobre a origem da mais nova crise, as gravações da conversa de seu chefe da Casa Civil narrando negociatas, a governadora enxerga planos bem articulados para tirá-la do poder. "O Paulo (Feijó) é meu inimigo desde a campanha e agora se uniu aos radicais do PT para tomar meu lugar. Há uma lógica nessa loucura dele, que é dar um golpe e sentar-se na cadeira de governador", afirma Yeda Crusius. "Não quero espaço no governo, quero apenas que ela respeite o programa de campanha e não deixe a roubalheira correr solta. Ética é uma palavra desconhecida para eles", rebate o vice-governador, que está ameaçado de receber uma punição de seu partido por ter gravado clandestinamente e divulgado a conversa. A agonia do governo gaúcho parece não ter fim.

Tucanos eriçados em São Paulo

Rosane Marinho/Folha Imagem
Marinho: ex-secretário de Covas suspeito de negociar propinas


O inferno astral pelo qual passa o PSDB também chegou a São Paulo. O Palácio dos Bandeirantes, sede do Executivo estadual, foi atingido pelos desdobramentos de uma investigação iniciada na Europa, em 2004. A polícia da Suíça investiga a empresa francesa Alstom, uma das maiores do planeta, por causa da suspeita de que ela distribui grossas propinas a políticos da Ásia e da América do Sul para obter contratos multimilionários. Os suíços dizem ter apreendido documentos que mostram que o esquema alcançou o Brasil. Anotações de pagamento de propina revelam que a companhia gastou 3,4 milhões de reais para fechar contratos com o governo de São Paulo durante a gestão do tucano Mário Covas. Segundo os suíços, o dinheiro foi para a "Secretaria de Energia", "o partido" e o "Tribunal de Contas do Estado". Estão sob suspeita contratos assinados com a Eletropaulo, antiga estatal de energia de São Paulo, e com o Metrô paulista. As anotações apreendidas dão conta de que o suborno era negociado com um homem identificado como "secrétaire du gouverneur", ou secretário do governador, cujas iniciais são "R.M.". Isso fez as investigações recair sobre Robson Marinho, ex-secretário da Casa Civil de Covas e homem de confiança do ex-governador. Atualmente, ele ocupa o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas. As suspeitas sobre Marinho se fortaleceram porque, em 1998, o ex-secretário viajou à França para assistir à final da Copa do Mundo com despesas pagas pela Alcatel, que integrava o Grupo Alstom. Marinho nega ter favorecido a empresa no governo ou no Tribunal de Contas. A apuração do caso ainda é frágil, pois os documentos da investigação continuam na Europa. O PSDB, no entanto, se esforça para evitar que a temperatura do caso chegue a ponto de fervura e prejudique o partido nas disputas eleitorais deste ano. Para tanto, os tucanos vêm usando a maioria que detêm na Assembléia Legislativa paulista para enterrar qualquer iniciativa da oposição de abrir uma CPI sobre o assunto.


Foto Matuiti Mayezo/Folha Imagem

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