Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

A inoportuna volta da CPMF

O fantasma da CPMF
volta a assombrar

Extinto no ano passado, o "imposto do cheque"
renasce como contribuição social para a saúde


Alexandre Oltramari

Sergio Lima/Folha Imagem
Apesar dos protestos da oposição, deputados governistas recriam CPMF

O governo deu na semana passada o primeiro passo para aplicar mais uma tunga nos cidadãos que já entregam ao Leão, na forma de impostos e contribuições, quase a metade do que produzem em um ano. Com 259 votos a favor, apenas 2 além do mínimo necessário, a Câmara dos Deputados aprovou a criação da contribuição social para a saúde (CSS), uma metástase da velha CPMF, extinta no fim do ano passado. A proposta prevê que o novo imposto terá alíquota de 0,1%, será cobrado sobre os débitos em conta corrente e operações financeiras a partir de 2009 e arrecadará 10 bilhões de reais por ano. Teoricamente, é dinheiro que se destinaria a melhorar o atendimento de saúde, como também era a intenção da velha CPMF. Para entrar em vigor, a CSS ainda precisa ser aprovada no Senado, onde o governo costuma enfrentar mais resistências para levar adiante projetos que contrariam os interesses da população, principalmente os mais disparatados e injustos. "A sociedade brasileira já convive com uma carga tributária altíssima. Não é possível penalizá-la com ainda mais um imposto", disse a VEJA o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, um dos principais oponentes do novo tributo.

A recriação da CPMF é um absurdo sob qualquer prisma. Mesmo com o fim da contribuição, que deixou de ser cobrada em janeiro, a arrecadação federal não pára de crescer (veja quadro abaixo). Em vez de dinheiro, portanto, o que falta ao governo é competência para administrar os recursos que a sociedade lhe entrega na forma de impostos. Estudo do Banco Mundial, realizado em 7.400 hospitais públicos e privados do país e divulgado na quinta-feira passada em São Paulo, mostra que o sistema brasileiro é perdulário e ineficiente. Numa escala que vai de 0 a 1, a rede de saúde foi reprovada com a nota 0,3. De acordo com o Banco Mundial, os hospitais brasileiros também são caros e funcionam mal. Cerca de 60% dos leitos hospitalares estão ociosos, mas o Brasil ainda é o país onde pacientes morrem à espera de atendimento. O custo de uma internação em um hospital público é 50% superior ao de um hospital privado ou administrado por associações não-governamentais. Três em cada dez internações são desnecessárias, causando um desperdício de 10 bilhões de reais a cada ano, a mesma quantia que se pretende arrecadar com o novo imposto. "Não adianta apenas ter recursos a mais. É preciso gastar bem o dinheiro", disse o pesquisador Bernard Couttolenc, um dos autores do estudo.

A manobra do governo para ressuscitar a CPMF, como era de esperar, provocou protestos de líderes empresariais e entidades de classe – e o seu eco já pode ser ouvido em Brasília. O presidente da Federação do Comércio de São Paulo, Abram Sjazman, classificou a aprovação da CSS como "aberração". Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que o novo imposto é um atentado contra a sociedade. Skaf pretende iniciar uma campanha nacional contra a CSS para sensibilizar os senadores e derrubar o novo imposto. Pode dar certo. No Senado, ao contrário da Câmara, a maioria do governo não é tão ampla. Os senadores também são menos suscetíveis ao jogo que costuma trocar cargos e liberação de verbas por apoio político. Na Câmara, nos dez dias anteriores à aprovação do tributo, deputados governistas foram brindados com a liberação de 280 milhões de reais em emendas parlamentares para suas bases eleitorais. "O governo pode tirar o cavalinho da chuva porque no Senado a CSS não passa. Não passa, não passa, não passa", promete o tucano Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado. O senador Renato Casagrande, líder do governista PSB, demonstra preocupação: "O imposto já passou com dificuldade na Câmara. Aqui o debate vai ser muito mais tenso e pesado", diz.

Além de inoportuna, a nova CPMF nasce enrolada no manto da ilegalidade. Tributaristas são unânimes em afirmar que o artigo 154 da Constituição não permite a criação de impostos que têm efeito cumulativo, como é o caso da CSS, por meio de uma lei complementar. Como a nova CPMF está sendo criada por esse instrumento, em vez de por emenda constitucional, como seria o correto, o novo tributo poderá ser derrubado na Justiça caso o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha esse entendimento. Mais difícil, porém, é entender o comportamento do presidente Lula nesse episódio. No fim do ano passado, quando o Senado derrubou a CPMF, o presidente prometeu que o imposto não seria recriado. Agora, ao patrocinar a CSS, Lula faz exatamente o contrário. O presidente sempre poderá dizer que são coisas distintas. Ao contrário da sua antecessora, aplicada de maneira universal, a CSS será cobrada apenas de quem tem renda mensal superior a 3 000 reais. E, diferentemente da CPMF, cujos recursos eram usados até para pagar a aposentadoria de servidores públicos, a CSS será destinada exclusivamente à saúde. No fundo, porém, elas são a mesma coisa. É mais um imposto a sobrecarregar quem já não agüenta mais sustentar um estado perdulário e ineficiente. Espera-se que o Senado ponha fim ao péssimo hábito dos governos de apresentar aos contribuintes a fatura de sua própria incompetência.

O pecado da gula

2007
Nos quatro primeiros meses do ano passado, quando a CPMF ainda estava em vigor, o governo embolsou 198,3 bilhões de reais em impostos e contribuições

2008
Nos quatro primeiros meses deste ano, já sem a CPMF, a arrecadação do governo foi de 223,2 bilhões de reais,um aumento de 12,5%

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