O presidente Lula não estará nos dizendo que sua concepção de democracia é a mesma do venezuelano Hugo Chávez?
JÁ DIZIA O REI Faruk do Egito, nos anos 50, que chegaria o dia em que só cinco monarcas manteriam seus tronos e sua dignidade. São eles, os quatro reis do baralho e a rainha da Inglaterra.Nesta semana, deu o que falar o bate-boca entre o rei da Espanha, Juan Carlos, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Pois eu pergunto: alguém ousaria imaginar Elizabeth 2ª, em alguma reunião entre membros do Commonwealth, ordenando aos primeiros-ministros australiano ou canadense que fechassem a matraca? "I don"t think so", "no lo creo", nem pensar.
Confrontada com uma saia justa do tamanho da que Hugo Chávez aprontou para cima do rei espanhol, seria bem mais plausível conceber que Elizabeth se levantasse da poltrona, oferecesse aquele seu aceno clássico, o "royal wave", e se retirasse, muda, do recinto.
Mas Juan Carlos, que é tratado por "Juanito" pelos amigos (entre os quais figuram um punhado de ex-franquistas que o ajudaram a fazer fortuna), não possui a mesma pompa e circunstância da rainha. Conhecido por andar de moto pelas ruas de Madri e Mallorca em velocidades acima das permitidas e por sua atração por mulheres "guapas", o rei espanhol é bem mais acessível aos súditos do que Elizabeth. Diz-se no meio da Fórmula 1 que, neste ano, ele se desentendeu com Fernando Alonso, de quem tinha se tornado amigo do peito, porque o asturiano não teria retornado os telefonemas do monarca.
Mas, gregário ou não, foi Juan Carlos quem organizou a Cúpula Ibero-Americana, e foi o governo espanhol quem anunciou, nesta semana, no Chile, a formação de um fundo de água potável que irá beneficiar países latino-americanos carentes. Foi também o governo espanhol, respaldado pelo rei e na mesma cúpula do bate-boca, que aprovou a "portabilidade" da aposentadoria, dando direito aos membros da Comunidade Ibero-Americana de ir gozar da aposentadoria em qualquer cidade espanhola, como nos explicou o expert em questões ibéricas e latino-americanas, Clóvis Rossi, na edição de ontem da Folha.
Se esse foi o tipo de assunto tratado no encontro, diga-me, ó, nobre leitor: faz sentido o sr. Chávez dispor dos holofotes da cúpula para lembrar da exploração, há 500 anos, dos colonizadores espanhóis? Faz sentido ele se queixar de José María Aznar ao seu sucessor e adversário político, José Luis Rodríguez Zapatero? Claro que não. O comportamento de Chávez, mais uma vez, não passou de fanfarronice, de franca grosseria e de palhaçada oportunista.
E o que faz o presidente Lula, quando perguntado sobre o bate-boca? Em vez de dizer algo na linha do "Eu não estava presente e não meto o bedelho em querelas alheias", ele resolve sair em defesa da "democracia venezuelana" -sim, aquela que é movida a plebiscitos e que tenta reescrever a história nos livros escolares-, e fazer pouco do rei, dando até a entender que Juan Carlos não deveria estar ali presente. Isso, sem contar a comparação sem pé nem cabeça, beirando o desonesto, entre parlamentarismo e presidencialismo, feita para justificar a permanência de seu amigo no poder.
Com suas afirmações, Lula não estará nos dizendo que sua concepção de democracia é a mesma de Chávez?