Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 01, 2007

Merval Pereira - O dilema tucano




O Globo
1/11/2007

O PSDB pode estar cometendo o mesmo erro de 2006, quando achou que poderia deixar o presidente Lula sangrando em praça pública para derrotá-lo no voto na eleição presidencial. Desta vez, estão achando novamente que já estão eleitos. Como da vez anterior, acham que só falta definir qual dos dois será o candidato, ou o governador de São Paulo, José Serra, ou o de Minas Gerais, Aécio Neves. É claro que sem o Lula na chapa é muito diferente a eleição, e não há nada que indique que a transferência de votos seja automática. Pelo contrário, o consenso é que ela é muito difícil para qualquer político, e Aécio Neves descarta a influência de Lula dizendo que não faz parte da tradição política brasileira a transferência de prestígio.

Existem, no entanto, exemplos de que o fenômeno ocorre, como quando Leonel Brizola tinha tanto poder político no Rio que elegeu o prefeito Saturnino Braga, ou transferiu todos os seus votos para Lula no segundo turno da eleição presidencial de 1989. Há ainda exemplos clássicos de políticos que conseguiram eleger verdadeiros "postes", como Paulo Maluf com Celso Pitta em São Paulo, ou Cesar Maia com Luiz Paulo Conde no Rio.

Brizola deve ter se arrependido do apoio que deu a Lula, pois o petista acabou tomando todos os seus votos nacionais. Também os "postes" ganharam vida própria e romperam com seus criadores, o que é mais um complicador nessa questão de transferência de votos.

Além do mais, Lula é um fenômeno político, e ninguém sabe como ele pode se comportar. É verdade que não conseguiu transferir votos para o PT nas duas últimas eleições, e elegeu poucos governadores, embora o partido tenha crescido bastante.

Pode ser que consiga eleger um candidato pessoalmente fraco, se se dispuser a apoiá-lo, mas não se sabe se terá essa vontade toda de fazer o sucessor.

O fato é que o PSDB não pode achar que está com a mão na taça, para usar uma metáfora futebolística nesta fase ufanista de nossa vida nacional, e querer garantir a CPMF para seu futuro presumível mandato presidencial.

Corre o risco de aceitar uma negociação banal com o governo, como a que está sendo oferecida, que nem mesmo reduz a alíquota da CPMF, nem prevê sua redução gradativa.

A idéia de poder descontar a contribuição do Imposto de Renda parece boa, até mesmo porque atingiria em cheio a classe média, que é o eleitorado que tanto o PSDB quanto o DEM procuram seduzir. Mas é preciso ver a tabela de dedução para conferir se será mesmo um alívio para o contribuinte, ou apenas uma aparência de dedução.

Ao mesmo tempo, o PSDB tem dois incômodos nessa negociação: a votação maciça de sua bancada de deputados federais contra a CPMF e a negativa do DEM em participar dessa negociação.

Os Democratas já escolheram o alvo de sua campanha política: a situação defende os interesses do governo, e o DEM os interesses da população, na definição do líder no Senado José Agripino.

Outra dificuldade que o PSDB terá vai ser passar a idéia de que conseguiu arrancar do governo mais dinheiro para a saúde, pois a Emenda 29, que previa mais R$20 bilhões para a saúde já no ano que vem, foi vetada pelo governo, que se compromete a dar em troca mais R$24 bilhões.

Mas parcelados em quatro anos, aumentando gradativamente o percentual da saúde na CPMF. Seria uma vitória de Pirro. O PSDB corre o risco de perder a paternidade do aumento da verba da saúde se "entender" as dificuldades do governo.

Uma outra proposta tucana pode ter bons efeitos no mercado de trabalho: o imposto que incide sobre a folha de salários das empresas seria reduzido para compensar parte do que pagam de CPMF.

A luta contra os impostos de maneira geral parece, por sinal, ser a arma mais eficaz para uma campanha eleitoral onde, mesmo sem Lula, seus aliados terão para mostrar ao eleitorado, ao que tudo indica, bons números na economia e na distribuição de renda, ficando vedado aos oposicionistas críticas a programas assistencialistas como o Bolsa Família.

Até o momento, os tucanos escolheram como mote de sua caminhada rumo ao Planalto o choque de gestão pública, o que não parece suficiente para comover os eleitores.

Além do mais, mesmo que irresponsavelmente, o presidente Lula já se encarregou de colar o conceito de choque de gestão na conta da demissão em massa, o que certamente assustará o eleitor menos informado.

Criticar a alta carga tributária e os péssimos serviços que o governo dá em troca para os cidadãos parece a única brecha para a oposição, se se confirmar a previsão de que a economia continuará em crescimento, com inflação controlada e equilíbrio das contas públicas.

Feitos que o governo Lula assumiu como seus, uma percepção que dificilmente os tucanos conseguirão reverter, a não ser que cheguem ao poder novamente e recuperem os direitos autorais.

Outra esperança dos tucanos é que a base aliada do governo não consiga se reunir em torno de um nome, e a campanha provoque atritos entre eles, o que aliás já está acontecendo com o provável candidato do bloco de esquerda, Ciro Gomes, se desentendendo com os petistas.

O momento é delicado para o PSDB, que corre o sério risco de sair dessa negociação fortalecendo o governo e se descaracterizando como oposição. Do jeito que as negociações caminham, os tucanos podem ter caído em uma armadilha.

Mais uma vez, aceitam a promessa do governo de que enviará uma reforma tributária ao Congresso nos próximos dias, enquanto os Democratas exigem ver para crer, diante da realidade de que em 2003 o governo assumiu o mesmo compromisso e não cumpriu.

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