Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 15, 2007

VEJA Entrevista: Oscar Arias

O futuro é verde

O presidente da Costa Rica diz que só a educação
tira a América Latina da pobreza e que é possível,
sim, conciliar preservação com desenvolvimento


Duda Teixeira

Eleito para um segundo mandato como presidente da Costa Rica há pouco mais de um ano, Oscar Arias está envolvido em nova campanha política. No início de outubro, os costa-riquenhos vão às urnas para decidir se querem ou não assinar um tratado de livre-comércio (TLC) com os Estados Unidos. Arias defende o acordo como a oportunidade de ouro para o desenvolvimento do país. Sem Exército nem golpes de estado desde os anos 40, a Costa Rica é o bom exemplo de um país latino-americano que foi capaz de encontrar espaço na economia global e de oferecer a seus cidadãos saúde e educação de qualidade similar à de muitos países do Primeiro Mundo. Herdeiro de uma família de cafeicultores e Ph.D. em ciências políticas pela Universidade Essex, na Inglaterra, Arias recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1987 pela mediação do acordo que pôs fim a conflitos armados em quatro países centro-americanos. Aos 66 anos, ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA em sua casa, na capital, San José, onde se recuperava de uma lesão no tendão-de-aquiles.

Veja – Historicamente, o crescimento econômico sempre foi acompanhado de devastação ambiental. Como um país em desenvolvimento como a Costa Rica consegue proteger tão bem sua floresta tropical?
Arias – Não temos opção. O desenvolvimento futuro será verde ou não se realizará. Precisamos cuidar de nosso principal tesouro, que é a natureza, para continuar habitando este planeta. Temos 1,3 milhão de hectares de áreas silvestres protegidas em reservas e parques naturais, que estão entre as principais atrações turísticas da Costa Rica. Também estamos cuidando para que os investimentos em hotéis respeitem o ambiente, reciclando a água que utilizam e sendo econômicos no uso de energia. Alguns empreendimentos são pequenos, com poucos quartos, e estão bem integrados com a natureza. Outros são imponentes, de grandes cadeias internacionais, e devemos fiscalizá-los com rigor. Em 2021, temos a ambiciosa meta de nos tornar o primeiro país neutro em carbono do mundo. Isso significa que a quantidade de dióxido de carbono lançada na atmosfera por carros, fazendas e indústrias será a mesma captada pelas árvores e algas.

Veja – O que o Brasil e outros países latino-americanos podem fazer para melhorar a qualidade da educação?
Arias – Na Costa Rica, o ensino primário foi universalizado e, agora, queremos fazer o mesmo com o secundário. Para mantermos os alunos na escola, damos uma ajuda de 30 a 150 dólares mensais às famílias que têm crianças estudando. É um programa parecido com o que há no Brasil. Já temos 75 000 jovens beneficiados e queremos que sejam 140 000 no futuro. O problema maior é o inglês. O número de pessoas com bom domínio desse idioma não satisfaz a demanda de muitas empresas nacionais e estrangeiras. A solução é complicada, porque conseguir mais professores de inglês não é fácil. Muitos que davam aula em escola pública deixaram o emprego para trabalhar nos call centers, em que atendem em inglês clientes americanos. Nessas posições, ganham muitíssimo mais do que ensinando nas escolas.

Veja – O senhor ganhou o Nobel por mediar uma solução para conflitos armados centro-americanos. O senhor teme que a América Latina possa estar entrando em nova corrida armamentista?
Arias – Não creio que a mera compra de armas pela Venezuela ou por qualquer outro país latino-americano ameace a paz na região. A atual corrida armamentista foi iniciada com a aquisição de caças americanos F-16 pelo Chile. Vários países passaram a usar isso como desculpa para renovar seus arsenais. O que dói é saber, como todo costa-riquenho sabe, que a melhor maneira de resolver a pobreza é transferir os gastos com armas e soldados para as áreas de educação e saúde. A Costa Rica aboliu o Exército em 1948. Naquele período, tínhamos uma qualidade de vida muito parecida com a dos demais países da região. Nos quase sessenta anos que se seguiram, não ter de gastar com armas foi o que nos permitiu o desenvolvimento social. Hoje, 95% de nossa população sabe ler e escrever. Estamos entre os cinqüenta países do mundo mais bem posicionados no ranking do índice de desenvolvimento humano da Organização das Nações Unidas. Nossa expectativa de vida é de 78 anos, a mesma da Inglaterra e da Holanda.

Veja – O senhor foi presidente pela primeira vez nos anos 80. O que mudou na sua forma de ver o mundo entre os dois mandatos?
Arias – Fui e continuo sendo um social-democrata. Defendo que os países devem se desenvolver economicamente e que possam garantir o bem-estar da população por meio da cobrança e do bom uso dos impostos. Aqui, o valor das aposentadorias tem aumentado bastante. Cobramos impostos significativos e, com eles, criamos e aumentamos os programas sociais. Já tiramos muita gente das favelas. Também almejo uma sociedade moderna, que não dependa de dinossauros, como os monopólios estatais de telecomunicações e de seguros que temos na Costa Rica. Somos um dos pouquíssimos países no mundo que ainda têm um monopólio das comunicações. Em todo o continente, somos o único. Nem Cuba tem. As discussões políticas, por sua vez, mudaram muito. No meu primeiro mandato, entre 1986 e 1990, a esquerda me apoiava porque eu fui contra o presidente americano Ronald Reagan e sua política intervencionista na região. Hoje, sou atacado pela mesma esquerda porque defendo um acordo comercial com os Estados Unidos.

Veja – Os costa-riquenhos decidirão em referendo se querem ou não um tratado de livre-comércio com os Estados Unidos. Quais são as expectativas?
Arias – Estou muito otimista e confiante. Os que se opõem ao tratado estão dizendo um monte de mentiras. Dizem que o TLC vai acabar com a educação pública, que vamos todos ter de recorrer à medicina privada, que o pequeno agricultor vai desaparecer e os estrangeiros levarão embora a água que bebemos. São afirmações muito longe da realidade, irracionais. Creio na inteligência e na sensatez do povo da Costa Rica. O melhor caminho para um país pequeno como o nosso é inserir-se cada vez mais na economia internacional. Os Estados Unidos são vitais para nós. São o país que mais realiza investimentos externos na Costa Rica e também o que mais envia turistas. Do 1,7 milhão de estrangeiros que visitam a Costa Rica por ano, quase a metade são americanos. Impor a nós mesmos um embargo ao intercâmbio com o principal sócio comercial seria uma atitude suicida.

Veja – Quais são as vantagens de assinar um tratado de livre-comércio com os Estados Unidos?
Arias – Um tratado é fundamental para que a nossa economia continue crescendo, diversificando suas exportações e gerando mais e melhores empregos. A Costa Rica, é verdade, já se desenvolveu bastante nos últimos anos. Algumas décadas atrás, éramos conhecidos pela exportação de café e banana. Hoje, nossa economia é muito mais complexa e a importância do café é menor que a do abacaxi. Vendemos microchips, plantas ornamentais e produtos médicos sofisticados para 180 países. Prestamos serviços de call center em inglês para americanos e europeus e escrevemos códigos de software para companhias do exterior. Estamos condenados a buscar novos mercados, a importar e a vender. O tratado, ao facilitar nossa entrada em um mercado com 300 milhões de consumidores, diversificará muito mais a pauta de exportações, e as vendas para o exterior poderiam aumentar num ritmo anual de 25%. Isso nos permitiria ter ainda mais ingressos fiscais, e mais empresas nos ajudariam a financiar melhor nossas escolas e hospitais públicos.

Veja – Caso o tratado não seja aprovado no referendo, o que poderá acontecer?
Arias – Não cresceremos tanto quanto queremos, pois investidores estrangeiros vão procurar outros países. Com a demora em aprovar o tratado, isso já acontece. A Intel, que em 1996 decidiu construir uma fábrica de chips de computador aqui e responde pelo nosso segundo maior produto de exportação, não nos vê mais da mesma maneira. A próxima fábrica de semicondutores, que terá investimento de 1 bilhão de dólares e empregará 4 000 pessoas, será no Vietnã, um país que já foi comunista. A empresa chegou a estudar a viabilidade de construir na Costa Rica e na Malásia, mas acabamos ficando de fora. Não ter um acordo com os Estados Unidos vai prejudicar a imagem do país e também fechará as portas para futuras negociações de livre-comércio com a União Européia ou com os países asiáticos. Nenhum deles entenderia por que a Costa Rica se recusaria a assinar um tratado como esse.

Veja – Por que o sentimento antiamericano continua forte na América Central?
Arias – Por aqui, na Costa Rica, não tanto. Esse pensamento é mais forte na Nicarágua, que faz fronteira conosco. Isso porque os Estados Unidos ficaram por muitos anos apoiando grupos guerrilheiros contra o governo sandinista naquele país.

Veja – A Nicarágua, que assinou um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos em 2005, é governada desde o início deste ano pelo sandinista Daniel Ortega, um amigo do venezuelano Hugo Chávez. Existe o risco de Ortega rever esse acordo?
Arias – Conversei muito com Ortega na década de 80, quando negociávamos a paz na América Central. Não tenho falado com ele ultimamente, o que torna mais difícil saber o que se passa em sua mente. Em seus discursos públicos, não o vejo muito inclinado ao livre mercado. Ortega, no entanto, é uma pessoa racional e sabe muito bem que lhe convém ter um tratado com os Estados Unidos. O TLC é o principal incentivo que a Nicarágua tem para atrair investimentos externos e, assim, melhorar a qualidade de vida da população. Exportar livre de impostos para milhões de americanos é uma condição muito apreciável. Em todo o mundo, não conheço um único país que tenha assinado um tratado com os Estados Unidos e depois renunciado a ele. A Nicarágua não será o primeiro.

Veja – Muita gente acredita que a substituição de Fidel Castro por seu irmão Raúl pode resultar em algum tipo de abertura econômica em Cuba. O senhor concorda?
Arias – Os democratas da América Latina, na luta contra as ditaduras quase sempre de direita, batalharam pela autodeterminação de seus povos. Em suma, queriam dizer aos Estados Unidos que eles não deveriam se meter, que eles próprios traçariam seu destino. Foi o que ocorreu com Cuba há quase cinqüenta anos. Agora, chegou a hora de perguntar aos cubanos se querem continuar com os irmãos Castro ou preferem transformar a ilha em uma democracia. Deveriam fazer um plebiscito, como os que ocorrem em outros lugares do mundo.

Veja – Há algum país que o senhor considere um modelo para a América Latina?
Arias – Os países escandinavos, certamente. Noruega, Suécia e Dinamarca têm muito pouca desigualdade social e programas sociais muito fortes. Seus cidadãos e empresas pagam impostos elevados para satisfazer as necessidades dos mais carentes. A alta carga tributária, porém, não os impede de ser competitivos no exterior. A Coréia do Sul também é um exemplo a ser seguido porque teve um avanço tecnológico notável. Possui altos índices de acesso à internet e educação de muito boa qualidade, igual à de Cingapura. Em quarenta anos, esses dois países passaram do Terceiro para o Primeiro Mundo. A América Latina já tem mais de 500 anos, e não saímos do lugar. A educação para poucos e o ensino de má qualidade fazem com que nossa região continue sendo pobre.

Veja – Como o senhor vê o Brasil e o presidente Lula?
Arias – Lula tem sido muito realista e consciente em seu governo. Tomou a atitude certa ao manter as coisas boas do governo de Fernando Henrique Cardoso, que foi um grande presidente para o Brasil. Lula sabe que é essencial cultivar a confiança do setor privado para seguir produzindo e exportando. A Embraer é um exemplo disso. Antes de começar meu segundo mandato como presidente, fiz várias viagens pelos Estados Unidos dando conferências e constatei que quase todas as pequenas companhias que operam linhas aéreas no mercado americano adotaram aviões made in Brazil. Foi uma experiência gratificante. Quando entrava em um avião da Embraer, eu ficava orgulhoso de ser latino-americano.

Veja – A possível eleição de um presidente do Partido Democrata nas próximas eleições nos Estados Unidos mudaria alguma coisa para a Costa Rica?
Arias – Praticamente nada. Desde que silenciamos as armas e que a ameaça comunista na região acabou, os Estados Unidos se esqueceram da América Central. Não se preocupam mais conosco.

Veja – Um tratado de livre-comércio não seria um indício do contrário?
Arias – O tratado é muito mais benéfico para nós do que para eles. Quanto à cooperação bilateral e à ajuda externa, isso acabou para nós. Há duas décadas, El Salvador era o país que mais recebia auxílio americano depois de Israel. Isso se desvaneceu com o tempo. Eu queria que o governo americano fosse mais generoso. Entre os países ricos, é o que menos dá ajuda internacional em relação ao PIB, cerca de 0,15%. É um dos porcentuais mais baixos do mundo rico. Na Noruega, é quase 1%. Nosso país não gasta com Exército e investe pesadamente em educação. Deveríamos ser premiados por isso, mas infelizmente não é o que está ocorrendo.

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