Acusado de comandar quadrilha de uma organização criminosa, Dirceu reagiu à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com a velha, gasta e falsa cantilena de não assumir seus próprios erros e atribui-los a uma misteriosa intenção da "elite conservadora" de impedir o governo Lula de "trazer para o Estado a agenda dos movimentos sociais" - este desgastado clichê petista que ninguém sabe o que significa. Em quase três anos chefiando a Casa Civil, o ex-ministro ocupou-se em leiloar cargos no governo e, segundo o STF, em comandar a distribuição de dinheiro público entre partidos políticos. Não lhe sobrou tempo para decifrar a "agenda dos movimentos sociais", muito menos tocá-la.
Se o presidente Lula e companheiros estivessem realmente empenhados em administrar o País, teriam cuidado, por exemplo, das reformas tributária, trabalhista, previdenciária, das microrreformas idealizadas pela primeira equipe do ex-ministro Palocci e dos investimentos em infra-estrutura. Uma agenda programática real (não a abstrata dos "movimentos sociais", que Dirceu desconhece), centrada em fomentar crescimento econômico, gerar novos empregos, afastar a desesperança de milhares de jovens que precisam e não conseguem ingressar no mercado de trabalho.
Em vez disso o governo age em direção contrária às reformas, finge que o problema não existe, maquia e falseia soluções. Como ocorreu há dias, quando o Fórum Nacional, encarregado de preparar a reforma da Previdência, tratou de criar mais obstáculos políticos a ela, ao decidir (com voto favorável do Ministério) mudar o cálculo do déficit do INSS, como se isso o fizesse sumir num passe de mágica. A decisão avestruz retira do cálculo despesas com aposentadorias rurais e renúncias concedidas às entidades filantrópicas e microempresas. É meramente contábil, tira do INSS, joga para o Tesouro, mas os brasileiros continuam pagando a conta.
O déficit é conseqüência, não causa do insustentável problema da Previdência no Brasil. E o foco da solução não está nele, mas em tornar a Previdência autofinanciável no presente e no futuro, dotá-la de novas regras que garantam equilíbrio entre receitas e despesas, o pagamento das aposentadorias dos idosos e das gerações futuras e atraiam para o sistema 52% da população trabalhadora que vive à margem, excluída e sem nenhuma esperança de remuneração na velhice. A gradativa eliminação do déficit é decorrência.
Mas o governo Lula tem interesse em fazer do déficit o foco central e, assim, justificar uma falsa solução, primária e rudimentar (como diria a ministra Dilma Rousseff), que ignora as causas, as raízes do problema, empurra com a barriga, não resolve, irresponsavelmente posterga para explodir nas próximas gerações. É o estilo petista de governar, sem rumo, sem programa, sem idéias, sem imaginação e sem coragem para enfrentar adversidades políticas. Como fez agora José Dirceu ao não assumir seus erros, transferindo-os para uma "elite conservadora", sem identidade, sem nomes nem sobrenomes.
Tanto tempo de discussões sobre a Previdência está mais do que evidente a impossibilidade de conviver a bem-vinda longevidade da população e o regime de repartição em vigor (trabalhadores da ativa pagam a aposentadoria dos inativos). Sobretudo porque o trabalho informal atinge 52% dos trabalhadores que não pagam o INSS e a criação de novos empregos legalizados é limitada, cresce em ritmo incapaz de sustentar crescentes gastos com aposentados que, por terem vida mais longa, recebem benefícios por muito mais tempo. Para atenuar a expansão desta bola-de-neve, esperava-se que o tal Fórum aprovasse o aumento da idade mínima de acesso à aposentadoria. Mas o governo dá sinais de que nem isso será aprovado.
E, assim, segue o barco, como diz a primeira-dama baiana, perdido, sem rumo, à deriva.