Aldo Fornazieri
Existem três hipóteses para tentar entender esta guinada mais à esquerda do PT, particularmente dos moderados. Primeira hipótese: os moderados fizeram um discurso socialista visando a reaglutinar militância e força após o abalo suscitado pela crise do mensalão. Segunda hipótese: os moderados e o PT como um todo fizeram uma inflexão à esquerda como reação ao governo Lula, que não sinalizou avanços significativos em termos políticos e programáticos que pudessem caracterizá-lo como um governo claramente de esquerda. Terceira hipótese: a guinada esquerdista do PT está relacionada à disputa pela hegemonia na esquerda da América Latina.
Esta última hipótese se explica no contexto da crescente influência de Hugo Chávez sobre partidos e agrupamentos políticos latino-americanos. O PT, nas últimas décadas, pela sua força e influência, vinha desempenhando o papel de centro de referência da esquerda latino-americana. O surgimento de Hugo Chávez, com um discurso socialista e de confrontação com os Estados Unidos, atraiu para sua órbita alguns partidos, agrupamentos e movimentos sociais de esquerda que, antes, orbitavam em torno do PT e da liderança de Lula.
Qual o significado prático da esquerdização do PT? Aparentemente, nenhum. Ocorre que a recaída socialista dos moderados é meramente retórica e não passa de um ardil político.
Em relação à segunda hipótese, por exemplo, por mais socialista que seja o discurso do PT, ele não tem força para reorientar o governo. O governo Lula aglutina um espectro de forças que vai da centro-esquerda (PT, PCdoB, PSB) à centro-direita (PP, PTB, PRB). O seu centro de gravidade, no entanto, é dado pelo PMDB e pela influência de setores do mercado financeiro e da indústria. O governo consegue implementar, assim, uma política social de inclusão, que poderia ser tida como de esquerda, e uma política econômica responsável e eficiente, que a esquerda tem como de direita.
Além disto, o discurso socialista do PT não conseguirá mudar a prática do partido nas instituições do Estado liberal-democrático. Trata-se de um pragmatismo político que pouco se diferencia da prática de qualquer outro partido liberal-democrático impregnado de virtudes e vícios, mas que adota políticas públicas orientadas para atender a demandas sociais.
Ainda em relação à terceira hipótese, o discurso socialista também não mudará o novo contexto político da América Latina. O problema é que a face real do PT é dada pelo governo Lula. O PT deveria agradecer por este fato, já que o governo se tem mostrado bem mais sensato e realista do que o partido. Basta ver os resultados da política econômica. Graças a ela, o governo é bem avaliado e a economia do País está andando no rumo certo. O PT, contudo, sempre foi um áspero crítico da política econômica do seu governo.
Mas, na medida em que o que importa é a prática de governo, é preciso notar que Hugo Chávez já demarcou uma clivagem em relação ao governo Lula. Esta clivagem expressa mais o que há de equivocado no governo Chávez e menos o que há de errado no governo Lula.
Em vez de afirmar uma nova esquerda na América Latina, que se poderia expressar em alguns importantes aspectos do governo Lula, o PT, ao contrário, assume um discurso socialista, adotando, inclusive, a expressão "socialismo do século 21" (tese dos moderados), tal como o usa o presidente da Venezuela. Com isto parece que o PT quer dessemelhar-se do governo Lula e assemelhar-se ao ideário de Chávez.
Os moderados do PT, juntamente com o grupo que assina a tese "Mensagem ao Partido", acreditam ser possível combinar socialismo e democracia. Para isso destroem o conceito de socialismo, que, no seu significado estrito, expressa a noção de socialização dos meios de produção. A tese do socialismo democrático é um paradoxo em si: socialismo e democracia não são compatíveis, já que a socialização dos meios de produção não pode ser alcançada e mantida sem o uso de meios autoritários e até mesmo de violência.
Na verdade, os moderados do PT propõem um conjunto de generalidades que, em termos práticos, são proposições que não passam de um rol de lutas democráticas, perfeitamente possíveis de ser travadas no âmbito da liberal-democracia e assimiláveis pelo capitalismo. Neste sentido, o discurso socialista dos moderados é meramente instrumental, inefetivo do ponto de vista real e uma perda de tempo do ponto de vista da objetividade política.
Os moderados do PT, como grupo majoritário do partido que governa o País, tinham o dever de discutir linhas programáticas capazes de definir os rumos do governo. Isto é, tinham o dever de discutir um programa capaz de dar conta dos desafios presentes do Brasil, com a perspectiva de indicar um rumo e um sentido futuros. É isto o que importa, de fato, na atividade política.
Não há no conjunto das teses petistas uma preocupação central com um projeto de desenvolvimento, com a reforma do Estado, com a complexa questão da Amazônia, com o lugar do Brasil no mundo globalizado e na América Latina mais instável e com questões de segurança pública e de segurança e defesa nacional. Em resumo, as teses do Congresso do PT promovem uma fuga da política real para a política abstrata.