Uma pesquisa tenta provar que dietas ricas em
gordura e proteína podem agir contra o câncer
Anna Paula Buchalla
VEJA TAMBÉM
|
No século V a.C., o grego Hipócrates, considerado o pai da medicina, já pregava: "Que o teu alimento seja o teu remédio e que o teu remédio seja o teu alimento". Mas, em se tratando de câncer, somente nas últimas décadas a medicina conseguiu provar a estreita relação entre dieta e diversos tipos de tumor – tanto no que se refere à prevenção como no que diz respeito ao seu aparecimento (veja o quadro). Agora, uma pesquisa pretende demonstrar que a influência da alimentação sobre o câncer é ainda maior: ela poderia ser o próprio tratamento contra a doença. E os melhores alimentos, nesse sentido, seriam (pasme) os ricos em gordura e proteína animal. Desde o início deste ano, pesquisadores alemães da Universidade de Würzburg, na Baviera, acompanham pacientes com tumores em estágio avançado que eliminaram quase que totalmente os carboidratos do cardápio e passaram a se alimentar sobretudo de gorduras e proteínas, preparadas na forma de um composto especial. Ao fim e ao cabo, trata-se de um tipo de dieta cetogênica – termo bastante familiar para quem já seguiu os preceitos do doutor Atkins. A pesquisa parte do princípio de que, como a glicose, a principal fonte de energia das células tumorais, é obtida por intermédio da ingestão de carboidratos (especialmente o açúcar), cortá-los da alimentação levaria o câncer à regressão.
A base do estudo conduzido em Würzburg é uma teoria de 1924, do médico alemão Otto Warburg, Prêmio Nobel de Medicina. Segundo ele, as células tumorais dependem única e exclusivamente da glicose proveniente dos carboidratos para crescer e sobreviver – ao contrário das células saudáveis, que conseguem produzir glicose a partir da queima de gorduras. Como se provaria mais tarde, com o aperfeiçoamento dos conhecimentos da biologia molecular, Warburg acertou ao estabelecer a dependência entre o câncer e a glicose obtida dos carboidratos. Mas errou ao concluir que essa seria a explicação para a origem de todos os tipos de tumor. "Essa relação é mais evidente entre os tumores com alta taxa de captação de glicose, como o de pâncreas e o de cérebro", diz a oncologista Solange Sanches, do Hospital do Câncer A.C. Camargo, de São Paulo. A maioria dos pacientes do estudo alemão é portadora justamente desses dois tipos agressivos de tumor. Cinco deles, depois de três meses, tiveram a doença estabilizada. Em alguns casos, o tumor diminuiu.
O uso da alimentação na cura de doenças também é objeto de experiências em outras áreas. De acordo com o pesquisador americano Val Smith, da Universidade de Kansas, a chave para vencer a guerra contra vírus, fungos e bactérias não está nos superantibióticos, e sim na manipulação da dieta de suas vítimas. Ele cita uma pesquisa em que a Salmonella, bactéria causadora de intoxicação alimentar, foi combatida com um regime alimentar rico em proteínas e pobre em carboidratos. Experimentos com ratos de laboratório mostraram, ainda, que uma série de agentes patogênicos pode ser debelada com a retirada de ferro do cardápio – mineral imprescindível para a sobrevivência dos micróbios. A lógica dos pesquisadores é cristalina, mas há um longo caminho a percorrer até que ela se materialize em tratamentos efetivos.
Fotos Photodisc e Keystone Royalty Free |