Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 05, 2007

Míriam Leitão - Conta explosiva



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
5/9/2007

O Brasil vive um mistério: anualmente, os governos pedem mais dinheiro dos contribuintes. Há anos. E nada funciona no Estado. Segundo os governantes, é falta de dinheiro. No Ministério da Saúde, claramente o diagnóstico está errado. O setor recebe a maior fatia do orçamento da União, e ainda é o único que tem a garantia de aumento anual das suas despesas.

O economista Rogério Werneck, professor da PUC do Rio, acompanha há décadas os gastos públicos. Ele acha que o país chegou a um ponto insustentável.

- Este regime fiscal vai explodir - prevê.

Só um dos dados levantados por Rogério Werneck já é suficiente para confirmar essa idéia.

- Há 13 anos, os gastos dos governos brasileiros, nos três níveis, aumentam em um percentual que é o dobro do aumento do PIB. Cresceram, em termos reais, 5,7% ao ano os gastos primários dos governos, enquanto a economia cresceu 2,9%. E o que faz o atual governo diante disso? Faz um ilusionismo contábil na Previdência e diz que não há déficit, suspende qualquer esforço de cortar gastos, contrata mais funcionários e diz que o Estado sofre de raquitismo, aumenta anualmente a carga tributária e pede a prorrogação da CPMF - diz Rogério Werneck.

O economista acha que é hora de se perguntar por que a CPMF tem que ser prorrogada.

- Não há emergência, não há crise, não há queda de arrecadação. Pelo contrário: a receita está aumentando. Não há razão para manter uma contribuição que era para ser provisória em 1994. A oposição tem uma grande chance de concretamente deter a expansão de gastos do governo e derrubar a prorrogação do imposto. Se a CPMF é necessária como fiscalização, então que tenha uma alíquota regulatória.

Com relação à Saúde especificamente, o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, diz que o setor engole hoje 7% da receita não-financeira do governo.

- Isso sem contar o gasto com os funcionários: estou falando apenas dos gastos de custeio do SUS (Sistema Único de Saúde) e dos investimentos. Eu faço a conta assim, separando o pessoal, porque os gastos com funcionários estão tão inchados que é a melhor forma de ver o que vai efetivamente para a Saúde. Além disso, há a emenda Serra, que dá à Saúde o que nenhum outro setor tem: a garantia de aumento de acordo com o PIB nominal. Isso significa que, anualmente, as despesas da Saúde podem aumentar inflação mais o PIB. É o único que tem isso - diz Velloso.

Apesar de tudo isso, o país tem que ouvir de tempos em tempos que há caos na Saúde e que a única coisa a fazer é a maravilha curativa de sempre: mais dinheiro. Não ocorre aos ministros que o melhor a fazer é trabalhar para que a gestão melhore, para que o dinheiro seja suficiente para dar um serviço de qualidade à população.

Raul Velloso agrega gastos de pessoal e Previdência para ver com mais clareza o que acontece com o dinheiro do contribuinte.

- Juntando os dois, Previdência e pessoal, dá quase 70% do gasto.

Indiferente a essa realidade, o governo Lula decidiu contratar de forma descontrolada, aumentar os cargos comissionados para distribuir aos companheiros e aliados, abandonar a idéia de pôr um limite para gasto de pessoal e fingir que não há déficit na Previdência. Um país que só tem 10% da sua população com mais de 60 anos tem a Previdência quebrada e um governo que diz que esse rombo é ilusão.

- É insensato, é absurdo, é insustentável - vaticina Rogério Werneck.

Ele chama a atenção para um fato do qual pouca gente se dá conta.

- As empresas investiram fortemente em informatização. A Receita também. Isso melhorou toda a máquina arrecadatória. Foi adotada a nota fiscal eletrônica. Agora era a hora de aproveitar o crescimento da receita e reduzir os impostos, mas tudo o que o governo faz é aumentar despesas. Parece que o céu é o limite para a despesa pública brasileira - diz Werneck.

Outra chance fiscal aberta ao país é a queda forte dos juros nos últimos 24 meses.

- Isso abriu um espaço de pelo menos 1,5 ponto percentual do PIB e, em vez de virar alívio para os contribuintes, vira gasto primário. Os estados estão arrecadando mais, e o que fazem? Aumentam o endividamento. É mais ou menos como se eu ganhasse R$70, de repente passasse a ganhar R$100 e, em vez de me contentar com isso, decidisse pegar uma dívida de R$200 para aumentar ainda mais minhas despesas.

Rogério Werneck usa palavras fortes para dar seu diagnóstico:

- Não há, nas decisões dos governos brasileiros, um resquício de lucidez.

Mas o governo tem dito que as contas estão equilibradas por causa do superávit primário e da queda da relação dívida/PIB.

- Foi de fato um avanço o PT entender o conceito da dívida como proporção do PIB e trabalhar para reduzi-la. Mas a idéia de sustentabilidade fiscal é mais sofisticada do que ter superávit primário.

De fato: os números mostram que o superávit primário foi possível porque houve aumento da carga. Foi o contribuinte o único a fazer o ajuste. O governo só elevou as despesas. O governo precisa ser detido na sua sanha arrecadatória, no seu equívoco de achar que tudo se resolve gastando mais, de aumentar a carga a cada ano e, já na proposta orçamentária, indicar que a carga vai aumentar de novo. O Estado não é raquítico no Brasil, ao contrário do que pensa o confuso presidente do Ipea. Os contribuintes é que estão ficando raquíticos no país, diante de um governo cada vez mais pesado, cada vez mais incapaz em qualquer um dos serviços públicos.

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