Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 07, 2007

Miriam Leitão A carga de fato

O governo Lula sustenta que a carga tributária não aumentou. Foi o que disse o presidente Lula na entrevista às emissoras de rádio. Foi o que me disse ontem o ministro Guido Mantega numa entrevista na Globonews. Mas o site da Receita Federal registra um aumento de 31,86% do PIB em 2002 para 34,23% do PIB em 2006. Em pequenos expedientes tributários, o governo Lula aumentou, sim, os impostos.

Para o presidente e o ministro da Fazenda, o que aconteceu foi que as empresas e os bancos tiveram lucros maiores e a Receita Federal ficou mais eficiente.

Houve um aumento de lucros dos bancos e de alguns setores empresariais, e a Receita vem fazendo há vários anos esforços de modernização. Mas isso não explica tudo.

O presidente Lula deu ontem aos jornalistas de rádio uma resposta que gosta muito de dar em qualquer entrevista quando este tema aparece. Fez isso na campanha.

Vira-se para o entrevistador e diz: — Você mesmo teve uma queda do Imposto de Renda com a correção da tabela.

A correção da tabela, quando ocorre, evita que o Imposto de Renda da pessoa física suba. No governo Fernando Henrique não foi reajustada e no governo Lula já foi. Melhor para o governo Lula. Mas, ao mesmo tempo, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) lembra que a alíquota maior de 27,5% do Imposto de Renda Pessoa Física teria de acabar em 2005 voltando aos 25% como teto. O governo decidiu manter a alíquota de 27,5%. Quando uma sobretaxação que veio para ser provisória vira permanente, o nome disso é aumento de imposto.

A mesma coisa aconteceu com a multa imposta sobre as empresas nas demissões.

A empresa paga 40% sobre o saldo do FGTS aos trabalhadores.

O governo Fernando Henrique impôs dez pontos percentuais a mais por um período delimitado para que isso cobrisse um esqueleto no FGTS. Deveria acabar em 2006, porque era o tempo suficiente para cobrir a dívida. O governo Lula manteve o adicional.

O governo atual deixou de reduzir impostos, mas, lembra o IBPT, também os elevou em várias ocasiões. Um exemplo: aumentou o PIS/Cofins ao mudar a base de cálculo de faturamento para valor adicionado, e isso elevou a taxação sobre o setor de serviços, o comércio em geral e o transporte.

O ministro Guido Mantega diz que, em compensação, muitos setores tiveram redução de impostos, como os computadores e a construção civil.

— Devolvemos R$ 30 bilhões em forma de redução de tributos — diz Mantega.

Aqui mesmo nesta coluna, falei ontem sobre a redução de impostos que beneficiou a construção civil.

Nem sempre a redução de impostos escolheu os melhores setores. No agregado houve mais aumento do que redução, do contrário a carga não teria aumentado.

Outra medida que na prática elevou a tributação foi, segundo o IBPT, a mudança de cálculo da CPMF, fazendo com que ela incidisse sobre toda liquidação de crédito.

Esse não é um mal do governo Lula. Aumento de carga tributária e de despesas públicas, governo que não fez atire a primeira pedra.

Mas a síndrome do governo Lula é sustentar que fez o oposto do que fez: quer provar que reduziu a carga, quando, de fato, a elevou.

Na entrevista que me concedeu, Mantega chegou a dizer que a carga havia caído porque era de 37% do PIB e agora é de 34%. Essa conta não faz sentido, porque os 37% era o número com o PIB calculado com a velha metodologia.

Ao mudar a forma de calcular, é preciso recalcular a série inteira na mesma metodologia, do contrário haverá distorção. O fato é, segundo o site da Receita: em 2002 a carga foi de 31,86%; em 2003 caiu ligeiramente para 31,46%, e o governo Lula prometeu não elevá-la. Em 2004 subiu de novo para 32,22%; em 2005, nova alta, para 33,38% e em 2006, 34,23%.

Pior, os gastos em 2007 e o Orçamento em 2008 indicam que a elevação continuará. E provavelmente será assim: expedientes da Receita, mudanças de bases de cálculos, novas formas de cobrança.

Ano a ano, o Fisco dá mais uma volta no torniquete sobre o contribuinte.

O presidente Lula disse ontem a um jornalista, durante a entrevista: — Se você fosse o ministro da Fazenda estaria defendendo a CPMF.

Mantega defendeu a CPMF na entrevista que me concedeu na Globonews: como um imposto que arrecada muito, que combate a sonegação e que é, na opinião dele, um tributo pequeno.

— É uma alíquota pequena, ninguém se lembra quanto pagou de CPMF.

Se fosse um imposto pequeno não arrecadaria R$ 40 bilhões. A CPMF parece pequena, mas incide, em cascata, sobre todas as transações financeiras feitas dentro do sistema produtivo e é sempre repassada para o preço final do produto.

O presidente Lula deu um sinal importante ontem sobre a estabilidade, ao dizer que “não arredaremos pé da estabilidade” e em seguida acrescentar: “Inflação alta é prejuízo direto no bolso.” Deu assim mais um aval ao Banco Central. Na entrevista a mim, Mantega disse que, se for necessário, o Banco Central subirá os juros para manter a inflação controlada.

A inflação se controla também com política fiscal austera, e não apenas com taxa de juros. O governo tem aumentado os gastos, tem feito o elogio do aumento de gastos, está convencido de que isso é meritório. Uma política fiscal expansionista mina a estabilidade e acaba exigindo demais da política monetária.

Arquivo do blog