O Globo |
11/9/2007 |
A discussão sobre a aprovação da CPMF, além da questão da carga tributária corrosiva para o crescimento da economia, esconde uma disputa entre os entes federativos, que vem sendo vencida com larga vantagem pela União, que centraliza cada vez mais as decisões e a arrecadação de impostos. Para tentar neutralizar a ação dos estados, que procuram recuperar poder político e financeiro, o governo central passou a negociar diretamente com os municípios. No início do ano, ao anunciar que desistira de aprovar agora a reforma tributária, na mesma ocasião em que aceitou a reivindicação dos prefeitos brasileiros de aumentar em 1% o repasse do Fundo de Participação dos Municípios, prometendo injetar cerca de R$1,5 bilhão nos municípios, o governo Lula reforçou uma política oposta à tendência internacional, que é dar mais autonomia aos governos locais. Em vez de fazer uma reforma tributária que aumente a capacidade de gerar recursos a estados e municípios, o governo continua querendo centralizar a arrecadação dos impostos, dando prioridade à aprovação da prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010, como temia o governador de Minas, Aécio Neves. Ele continua a defender a distribuição dos recursos arrecadados através da CPMF com estados (20%) e municípios (10%) para investimentos na saúde, posição que o PSDB apóia juntamente com a redução paulatina da CPMF. Recente decreto presidencial cria um comitê para articulações federativas que, apesar de contar com 37 membros, não tem nenhum representante estadual. O economista José Roberto Afonso vê nesse decreto mais um indício do que vem alertando há tempos: o Brasil, de forma mais acentuada que o resto do mundo, vem fazendo uma ponte direta entre governos federal e local, deixando os estados sem função. Não é uma tendência nova - no governo anterior, já foi muito explorada no caso da municipalização do SUS, por exemplo -, mas tornou-se emblemática devido ao tamanho e à importância política do Bolsa Família. Em trabalho recente para a Cepal, José Roberto Afonso ressalta que os programas públicos de transferência de renda criados nos últimos anos têm o governo central como principal financiador e executor direto, o que levou a um "relacionamento direto com os beneficiários (fora da Previdência Social), relegando governos locais a um papel marginal". Os municípios têm poder político, mas cuidam apenas do cadastro, e os governos estaduais não têm função. Afonso diz que "a maior preocupação é que tais programas assistenciais careçam de uma abordagem integrada com outras políticas sociais, bem como as de desenvolvimento regional, de modo que permitissem enfrentar a questão estrutural e, no médio ou longo prazo, com a aceleração do crescimento e a criação de mais empregos, os benefícios assistenciais pudessem ser reduzidos". Há também um componente partidário na crescente tendência de lidar diretamente com os municípios, pois a base política da oposição é mais forte nos grandes estados. Também na discussão da reforma tributária, está claro que o Ministério da Fazenda e o governo negociam muito mais com os prefeitos que com os governadores. Os prefeitos petistas defendem na Frente Nacional dos Prefeitos - como oportunidade única que o governo federal abre aos municípios de se fazer uma reforma tributária "a quatro mãos" - a proposta que transforma o ISS em novo imposto estadual e cria o Imposto de Vendas ao Varejo (IVV), que incluiria telecomunicações, energia e combustíveis. Os prefeitos ligados à oposição, especialmente o de São Paulo, Gilberto Kassab, do DEM, reagem contra a tentativa de alijar os estados da discussão. Eles têm reivindicações específicas: a revisão da Lei Kandir para compensá-los pelos incentivos às exportações de maneira mais ampla, ou as novas despesas que o Fundeb imporá com a educação. Atendendo ao principal pedido dos prefeitos, o governo federal pode estar debilitando a capacidade política dos governadores, e, colocando como prioridade a aprovação de uma contribuição que não é repartida com estados e municípios, como a CPMF, acentua sua tendência centralizadora. Em janeiro deste ano, os estados respondiam por 29,6% da dívida líquida total, enquanto o governo federal era responsável por 69,3%. Estados e municípios estão submetidos a limites de endividamento pelo Senado e pelo Tesouro Nacional, ao contrário do governo federal, o maior devedor, que não teve seus limites regulamentados pelo Senado, embora exista essa previsão. Nos anos pós-Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000 a 2006, o déficit nominal de governos estaduais e municipais caiu; no nível federal, subiu. A relação dívida líquida e receita corrente nos estados caiu 28%. A dívida do governo federal subiu, nos últimos seis anos, para 2,42% do PIB, enquanto a dos estados ficou em 0,30% e a dos municípios, em 0,03%. As estatais salvam a conta do governo, com uma redução de dívida equivalente a 3,37% do PIB. Os estados e municípios são também os principais responsáveis pelos investimentos públicos no país, respondendo por 85% deles quando se excluem as estatais. Mesmo com a inclusão das estatais, os investimentos de estados e municípios continuam sendo a maioria, representando 64% do investimento público total. Esse é o pano de fundo da disputa pela aprovação da CPMF, luta de poder político, especialmente com a perspectiva eleitoral do próximo ano, quando a eleição municipal vai dar os primeiros indícios de como estarão as forças partidárias para a sucessão de 2010. |
Entrevista:O Estado inteligente
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