Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 13, 2007

Merval Pereira - Suicídio coletivo




O Globo
13/9/2007

No ambiente supostamente secreto da sessão que ontem absolveu o presidente do Senado, Renan Calheiros, pensando-se a salvo dos olhos e ouvidos da opinião pública, os senadores petistas Ideli Salvatti e Aloizio Mercadante subitamente ganharam uma desenvoltura que a primeira havia perdido em meio ao processo, quando a cada dia ficava mais evidente a culpa de Renan, e que o segundo nunca teve à luz do dia. Os dois foram os mais ativos defensores da absolvição do aliado, com uma argumentação tão politizada quanto falaciosa: insistiam com os senadores petistas tendentes à cassação que a derrota de Renan Calheiros seria uma vitória da oposição, que queria assumir a presidência do Senado.

Na véspera, uma contabilização não oficial indicava que havia na bancada petista seis senadores a favor da absolvição e outros tantos pela cassação do presidente do Senado. Coincidentemente, seis abstenções salvaram Calheiros da forca, seis senadores covardes que, ao que tudo indica, dobraram-se à pressão da direção partidária e fugiram de uma definição, acabando por revelar a fraqueza da liderança carcomida de Renan Calheiros.

Para confirmar que os seis votos acovardados vieram de uma orientação partidária petista, o próprio senador Aloizio Mercadante teve a coragem de anunciar publicamente que foi um dos seis que se abstiveram.

Ecoando os argumentos que o governo estimula, Renan atribuiu genericamente à "mídia" uma campanha contra si, enquanto o senador Almeida Lima disse que a disputa era entre o Senado e a mídia, que classificou de "abjeta, desqualificada, torpe e impudica".

Foi a mesma argumentação utilizada pelos envolvidos no mensalão. O então deputado Roberto Brant exortou seus companheiros a não temer a opinião pública, pois ela só representava uma elite, minoritária diante do vasto eleitorado brasileiro que apóia o governo. Foi absolvido, assim como todos os demais envolvidos no mensalão.

Ontem, o senador Almeida Lima advertiu seus pares para não transformarem o Senado em um poder "covarde, amedrontado, acocorado diante de uma imprensa nacional que quer nos substituir".

Ninguém foi capaz de comemorar vitória tão simbólica da falta de ética que predomina na política brasileira, a não ser senadores cuja existência é por si só o exemplo da decadência do Senado como instituição, como os Almeida Lima ou os Wellington Salgado da vida.

O resultado tão claramente desmoralizante de um dos poderes da República gerou clima de conspiração envolvendo Brasília. Diante de uma vitória que evidencia que Renan já não tem mais nem mesmo a maioria simples do plenário a seu favor, quanto mais condições morais para dirigir o Senado, é preciso perguntar, como nos romances policiais: a quem interessa a desmoralização do Senado?

O senador Cristovam Buarque dizia com todas as letras que interessava ao governo ter um Senado enfraquecido diante da opinião pública, para que o Executivo, e em especial o presidente Lula, se apresentassem como as reservas morais do país. Especialmente Lula, sempre longe - desta vez literalmente, nos países nórdicos -- das falcatruas e trapaças políticas em que sua base aliada está envolvida.

Há quem leve ao paroxismo a desconfiança, lembrando que desmoralizar o Senado interessa institucionalmente ao PT que, no seu 3º Congresso, defendeu o fim do Senado Federal. A luta pela sessão secreta, onde seus líderes cabalaram votos a favor de Renan como nunca fizeram à luz do dia, e o protesto preventivo da senadora Ideli Salvatti, querendo diluir entre todos os partidos a responsabilidade da decisão final, seriam parte desse plano tão secreto quanto secreta foi a sessão que acabou de vez com a credibilidade da Casa.

Esse raciocínio político, embora possa ter um fundo de verdade, não expressa a realidade, ou pelo menos não a sua totalidade. Absolvido Renan, o governo e o PT, embora continuem tendo uma direção subserviente no Congresso, terão também uma presidência que manterá com o Executivo relação necessariamente ambígua, de gratidão, mas, ao mesmo tempo, capaz de chantagens mais ou menos explícitas, dependendo da situação.

A falta de capacidade de Renan Calheiros de reatar os contatos com seus pares para reconstruir um ambiente propício ao andamento normal dos trabalhos do Senado ficará evidente nos próximos dias, quando os governistas tentarão chegar a um diálogo com a parte do Senado que votou pela cassação de Renan.

A pressão para que os novos processos sejam acelerados dentro da Comissão de Ética será aumentada, tal era o sentimento de frustração dos senadores, que se viram derrotados por um presidente que, além de continuar sob suspeita, até a votação final se utilizou da ameaça indireta para tentar neutralizar seus adversários.

Sob o comando do reverendo norte-americano Jim Jones, 914 seguidores da seita Templo do Povo foram forçados, em novembro de 1978, a beber uma mistura de suco de laranja, cianureto e analgésicos, no maior suicídio em massa de que se tem notícia até hoje.

Ontem, qual Jim Jones redivivo, o senador Renan Calheiros levou 81 senadores ao suicídio coletivo numa reunião secreta em Brasília.

Arquivo do blog